Crônicas de uma vendedora I

Faltando ainda intermináveis dois minutos para as seis, eu já tão irritada com a última cliente. “ Ah quero algo belo e barato! O que você tem? ” E depois de incontáveis amostras e incontáveis “não tem maior? Não tem menor? Vai chegar? ” Eu já estava quase mandando ela pro inferno, mas é sempre assim, madame quer desfilar em festa chique gastando dinheiro de brechó. Não dá nem pra contar as inimagináveis madames que querem desfilar sem poder gastar, devendo até as cuecas dos maridos e ainda te olhando com aquele ar de superioridade que te marginaliza até o último fio de cabelo porque sua renda definitivamente não chega a 1% da mesada que elas ganham do marido pra se embonecar.

Faltando dois minutos, apenas dois minutos entra uma miserável que estava na academia e resolveu dar uma “olhadinha”.

Forcei aquele sorriso que era mais falso do que a cor dos cabelos dela e abordei:

__. Posso ajudar? – Sorriso ainda forçado. Por dentro “vagabunda miserável meu ônibus é daqui a dez minutos. ”

__. Não, não, só estou dando uma olhadinha. Se precisar chamo querida! – E ela fala isso com ar mais falso que o meu, pior, com aquele desprezo que só madame sabe dar.

O patrão esfrega as mãos, madame conhecida. É claro que ele está feliz, não paga hora extra, e compensa muito bem o pessoal do sindicato pra entregar qualquer um que reclamar.

A bendita passeia como se estivesse num desfile, roupa de academia das mais caras e das mais bregas, se fosse realmente malhar não tava com a bunda tão caída!

Patrão não baixa as portas mesmo que já tenha terminado o expediente, acha falta de educação fechar as portas quando tem clientes na loja, mesmo que ele esteja só dando uma “olhadinha” e ele fique nessa até as 7 da noite.

Miserável, anda e anda...tá só fazendo hora...6:05 meu ônibus já era...o próximo só as 19: 30, cadela miserável, agora vou te fazer gastar.

__. Reparei que a senhora malha, só pode! É tão esbelta, tenho uns modelos novos de tops que ficariam ótimos com essa sua calça, vem ver.

__ Não, não querida, eu não vim comprar nada, só estou olhando hoje. – Desdenha.

__ Olhe sem compromisso. Você malha na Stillus? – Tive que afrontar, academia chulé e barata, madames odeiam que digam que elas malham lá, é o mesmo que as confundir com faveladas.

__ Imagine querida! Quem malha lá são meus empregados. – Não que não seja boa, mas não é pra mim, entende?

__ É claro! Desculpe-me a confusão, por um momento achei que esses tops de marca não serviriam em você, mas é claro que eu estava enganada.

Bang, palavra mágica! Dizer que elas não podem pagar?? Hahaha golpe de gênio pra quem conhece as palavras certas e como as conduzir.

Ela olha com mais interesse os tops mais caros da loja, sua expressão muda.

__Bem, confesso que não ia levar nada hoje, só estou fazendo hora pra dar tempo de ir pra sauna, mas vou dar uma olhada.

__ Vai à sauna? Nossa! Tenho umas toalhas maravilhosas aqui com velcro, ótimas para sauna e no outro setor um hidrante maravilhoso que faz milagres se usado em saunas...

Dois minutos pras 7, hora de parar de puxar o saco e olhar insistentemente pro relógio, agora é o patrão que tá impaciente pois hoje é quarta-feira, dia de jogo, pior, dia do seu time jogar e a patroa detesta que ele chegue tarde e ainda vá ver TV sem se lavar.

Ainda tenho uns 20 minutos, vou enrolar o quanto puder, agora não tenho pressa, está frio lá fora e eu é que não vou congelar a bunda no banco gelado da estação até as 19:30.

Paparicar e desafiar o poder de compra de uma dondoca é o segredo do sucesso. Consigo arrancar dela mil reais brincando de pega ladrão.

Patrão tamborila os dedos no balcão do caixa, olha o relógio... ué? Não tava esfregando as mãos há uma hora? É duro quando a pimenta não é nos olhos dos outros né? Vai perder o jogão de bola porque vai passar a noite de briga com a mulher.

Os ponteiros do relógio começam a ficar mais perceptíveis, 7 e 10, finalmente a vaca resolve passar no caixa, patrão não consegue esconder a irritação.

Antes de sair ela olha pra mim e diz toda feliz:

__ Você é uma ótima vendedora, vou voltar! Olha só! Não ia comprar nada hoje! Hihi

Ela sai e eu agradeço com um sorriso já não tão falso, mas prazeroso, porque patrão vai perder o jogo.

__ Até logo senhora! Volte mesmo! Estarei esperando! – “Ah sua vaca! Só que apareça no horário comercial e não dois minutos antes de fechar”

Olho pro patrão sorrindo e ele entende o porquê, mas bicho turco é mesmo danado, nunca sai perdendo.

__ Ta sorrindo porquê? Você não ganha por comissão!

Desgraça! Engulo o sorriso, o contracheque vergonhoso e caminho até o terminal com pés inchados, doloridos e cheios de bolhas...