O pequeno*

No dia das crianças, as mães-pedintes de Fortaleza combinaram de ir às ruas com tudo o que possuem: seus filhos. Eu, farta do que tenho, fui distribuir afetos em outras casas.

A cada esquina: uma mãe com penca de filhos e seus reclames por brinquedos, trocados, ou qualquer coisa. Eu, a cada sinal vermelho em que parava, repensava no que tenho e nem queria, e no que queria ter, mas nem posso pedir.

Entre os pedidos e os devaneios dos desejos não-pedíveis, o corre-corre das crianças me despertou para como elas podem nos surpreender, nos encantar, nos fazer enxergar pelas mais agradáveis das brechas.

Digo isso porque outro dia um pequeno me perguntou o que era ‘coincidência’, essa palavra grande e esquisita que volta e meia eu digo, e que desperta curiosidade, que arranca sorrisos, e, no pior dos casos, uns insossos “é porque tinha de acontecer mesmo”.

À pergunta do pequeno respondi que coincidência foi quando ele ligou perguntando o nome da minha rua, e era a mesma rua de onde ele telefonava; ou então foi quando fui comprar um livro qualquer, e a contracapa contava a mesma história que ele contara dois dias antes.

Perdoando o pequeno por não entender a minha complicada didática, continuei sem impaciência a explicar:

“Coincidência...

...foi quando o menino-sedento que tomou o resto do meu guaraná no restaurante tinha o mesmo nome dele;

...foi quando a gente, sem muito planejar, tomou um sorvete e ainda nos sobrou os últimos segundos mais bonitos da tarde para ver o sol cair no mar;

...foi quando ele, ao deixar uma correspondência nos Correios, foi perguntado ter o sobrenome Carneiro, sendo este o meu sobrenome; foi quand...”

Foi quando fui interrompida pela criaturinha:

– Ah, já sei, já sei, já sei! Coincidência é um filme.

– Nem tanto – respondi analisando a conclusão pertinente do danado –, é como se fosse um filme que a gente não sabe pra que serve, nem qual vai ser o final.

– Ah, então, é um filme que ainda não terminou.

Eu acreditei.

*texto originalmente publicado no site Crônica do Dia: www.patio.com.br/cronica

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 14/10/2005
Código do texto: T59535