Um bombeiro salvou um cachorrinho na enchente

O jovem repórter estagiário ia para a quarta pauta do dia. O cenário era o mínimo para ser caótico: chuva, temporal, ventania. Água, muita água. Ficou assegurado, contudo, que não correria risco. Outro repórter mais experiente cobriria a parte humana da desgraça enquanto ele ficaria com o material/urbano. Como sempre, ia acompanhado de um fotógrafo.

Um córrego que cruzava o centro da cidade alagou. O carro da reportagem não pôde se aproximar mais, o nível da água já cobria metade do pneu. Observou certo aglomerado de populares em torno de algo que não conseguiu distinguir de dentro do veículo. Não teve outra alternativa senão encharcar o tênis e possivelmente o bloco de notas que levava em mãos.

Ao chegar no ponto observou um bombeiro nadando ali mesmo no chão que encontrava-se alagado, sem distinção entre onde começava a rua de onde terminava o córrego. Arfando, trazia um cachorro em mãos, vira-lata de pequeno porte, tamanho marrom, orelhas pontudas e olhar profundamente assustado. “Ai, salvou o Tucurunda!” exclamou a senhora dona do animal que erguia os braços para consolar o bicho enquanto agradecia o salvador.

Quem quando como onde quando por que. Todo mundo gosta de animais. Lembrou do critério inesperado. Dá uma notícia, uma nota, uma suíte, uma foto-legenda que fosse. Conversou com o bombeiro, com a dona de Tucurunda. Partes das anotações borraram-se na tinta da caneta sob a chuva.

Voltou à redação, ensopado. Jeito ruim de se apresentar no serviço, a situação que era excepcional. Digitou o texto, mandou ao editor. Foi chamado para conversar. “Seu texto está bom…” e o inocente repórter desfilou os dentes semi-amarelados num expansivo sorriso castigado por altas doses de café em tão tenra idade. “Porém…” continuou o editor, o sorriso desabou “... eu não gosto de cachorro”.

A ideia parecia boa na hora. Onde estava com a cabeça? Considerou-se criativo por ter a sacada, por ser proativo e logo depois percebeu que não era bem assim. Estava certo ou errado? Será que o editor não tinha coração ou o espaço publicitário vendia mais? A passos lentos, com perguntas na cabeça, a cada pisada do tênis envolto na meia, ambos molhados fazendo tchof tchof contra o chão, voltou-se à mesa de trabalho mas não sem antes buscar mais café.

GaP
Enviado por GaP em 26/03/2017
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