Crônicas da insonia: A cidade de Deus
Nessas noites, onde eu não consigo dormir, vem à minha cabeça a ideia de procurar algo pra fazer, durantes esses tempos ociosos. Normalmente, a companhia perfeita é sempre o café e o editor de texto, juntamente com muitas linhas de perfeita incoerência. Escrever mata-me, e ao mesmo tempo, é meu vício mais pertinente, no qual não consigo de jeito nenhum largar, e isso já tem alguns anos.
Mas hoje, além de escrever, decidi aproveitar minha xícara, e assistir a um documentário muito interessante, que, aliás, recomendo a todos que assistam. Chama-se “Cidade de Deus, 10 anos depois”, de Cavi Borges e Luciano Vidigal. Você pode encontrar facilmente na Netflix se quiser.
Pois bem, esse documentário expõe, de maneira muito inteligente, o quanto a ficção se distancia da realidade, ainda que a ficção se trate da realidade, e muito mais, quando nossa visão sobre a realidade, é completamente destorcida por uma película muito bem dirigida. Talvez você, caro leitor, não tenha entendido muito bem. Não tem problema, eu explico, mas para isso, antes, eu tenho que perguntar: Quanto você acha que o filme, do diretor Fernando Meirelles, arrecadou ao longo de 10 anos? Em uma rápida pesquisa pela internet me veio a resposta: Cerca de US$ 30 milhões, somente no mercado internacional. Você pensa, imediatamente, que todos os atores, depois de todo esse dinheiro e fama, se deram muito bem, não é mesmo?
Não é não.
Mas, continuemos com as explicações, para isso, outra pergunta: Quanto o ator Leandro Firmino, que interpretou o bandido mais célebre e conhecido do cinema nacional, Zé pequeno, ganhou pela participação no filme? Pasmem, R$ 10 mil. Apenas isso. Isso é claro, porque ele ganhou muito bem, comparado com outros personagens que ganharam R$ 3 mil, alguns até R$ 2 mil. Não é dólar, não é real.
Não estou chamando o diretor do filme de ganancioso, ou coisa e tal, porque é difícil fazer filme no Brasil; eu também sou um grande fã do trabalho dele, mas pare pra pensar: Quanto será que ele ganhou com o filme?
Essas e outras questões me fazem refletir o quanto o nosso país deixa de valorizar, todos aqueles que, por direito, são parte importantíssima das produções. Não só no cinema, mas em vários outros ramos, principalmente nos culturais, você consegue ver essa exorbitante falta de agraciamento do trabalho digno, e difícil de se fazer. Lembre-se, no Brasil, lidar com cultura é ter certeza de pouco incentivo, e muito trabalho duro. Mas e a recompensa? Ainda que haja certo reconforto pelo trabalho final, ainda assim, deveríamos pensar que essas pessoas, são seres humanos, brasileiros, que precisam ralar para sobreviver.
Acho que isso acontece porque cultura não pode ser medida. Não é como um produto que tem peso, formato, mas sim, sua forma final é abstrata. Um ator, um professor, um compositor ou interprete de música clássica, ou até mesmo de música com um caráter mais nosso, mais envolvido socialmente com a nossa cultura, esses, não podem ser medidos, e por mais que façam sucesso, muitas vezes, são deixados de lado, e são muito mal remunerados.
No nosso país fazem pouco, do que gera e muito, um bom montante, montante esse que é dado a poucos. Precisamos acabar com isso, mas essa discussão é muitas vezes sonegada, escondida, é sujeira varrida para baixo do tapete, coisa sem importância. Mas tem importância, e fala muito do nosso humilde país.
Assista, e tire suas próprias conclusões.
Agora que o café acabou, volto eu para a tentativa frustrante de tirar um cochilo. Até a próxima.