A idéia original - a história da estória
Estava decidido. Sempre sonhei em fazer história fazendo estórias. Naquela noite eu começaria meu projeto de escritor. Faria uma obra-prima. Prancheta com algumas folhas de papel almaço, uma caneta e uma mente brilhante. Pronto. Era tudo o que eu precisava.
A mente não estava assim tão luminosa naquele momento em particular. Conseguia fazer um tratado sobre a caneta com suas utilidades/modelos e sobre o papel e seu branco infinito, mas faltava a idéia original, da qual se ordenaria uma série de pensamentos lógicos e líricos que brotariam com a força de uma enxurrada completando folhas e mais folhas, exigindo escrita rápida como se um livro fosse-me sendo ditado por um gênio sádico, que tirano, não repetiria nada e tornaria fugaz e distante aquilo que não se registrasse a tempo. Frases iriam –se emendado umas as outras. Pensei: “talvez o lugar não ajude. Aposto que Shakespeare não escrevia sentado numa patente”. Terminei meus afazeres fisiológicos - ah como eu gosto das frases politicamente corretas – e fui para a sala de TV, onde uma poltrona do papai parecia convidar-me para uma obra a lá “Odisséia” de Homero ou uma “Os Lusíadas” de Camões.
O natal estava próximo e no canto do aposento destacava-se um belo pinheirinho decorado. Era isto! A época era um apelo às mensagens positivas e votos de felicidade. Não tive dúvidas: liguei o pisca-pisca e sentei-me confortavelmente no sofá e esperei a idéia...... E esperei...... E esperei...... Ela não apareceu como combinado. Imaginei que ela só estava um pouco atrasada. Sabe como são elas – gostam de se arrumar para aparecerem bem bonitas. Ela quer chegar abafando – esta obra vai me render o Nobel de literatura. Olhei para a TV, tentadora, me convidando para um programa. Senti-me culpado olhando para outra enquanto aguardava meu amor. “Talvez eu pudesse aproveitar alguma coisa no meu livro” - justifiquei-me enquanto pegava o controle. Não! Serei mais forte! Minha atitude poderia ser recompensada com um soneto sobre as virtudes da fidelidade e determinação. Um programa de auditório e dois filmes depois desliguei a televisão, decidido a retomar meu projeto.
Olhava os objetos da sala como quem procura um artigo perdido. Como se a idéia original pudesse estar atrás do abajur, embaixo do cinzeiro, na luminária. Esperei mais um pouco. Nada. Quem sabe não seria a fome? Na hierarquia da mente o estômago vem antes do coração. Fui na dispensa e peguei um pacote de bolachas. Sentei-me novamente. Já era tarde. Claro! Estava explicado! Como ela iria aparecer se eu estava tão cansado. Se eu não estivesse com tanto sono aposto que ela já teria aparecido. Fui dormir meio contrariado, mas pensei que de repente ela poderia me surgir em sonho. Não surgiu.
No outro dia fui ter novamente com a poltrona. Tinha desistido da idéia de um romance, quem sabe um conto. Nas folhas já havia alguns rabiscos. Não confundir com esboços. Eram rabiscos mesmo, simulavam flores, bichos, estrelas, casinhas, caricaturas, que não serviam para outra coisa a não ser para exercitar a caneta deixando-a pronta para o grande momento. Quem sabe uma crônica leve já pudesse apresentar uma amostra do meu enorme talento. Uma carta de apresentação do que estaria por vir.
A idéia estava difícil. Talvez uma crônica fosse expor demais o meu estilo e sempre é bom aguçar a curiosidade dos leitores. Sabe uma jogada de marketing. Poderia, quem sabe apresentar uma frase de efeito. Você pode até pensar que é muito pouco para as pretensões de um futuro escritor de “Best-Seller’s”, mas não seria uma frase qualquer, seria uma para deixar à posteridade, digna de rodapé da Revista Seleções. Claro, seria apenas um aperitivo, um tira gosto da magnificência e magnetismo dos meus textos. Bom, o que escrevi em meio a rabiscos foi o que eu desejo e você e a toda sua família:
Feliz Natal e Próspero Ano Novo! – Humpf! E nem foi original.