ANONIMATO É O AUTO HOMICÍDIO DO PENSAR
Todo e qualquer pensamento que é dito como opinião, expressa um pedaço de nossas mentes, portanto não dar-lhe a nossa própria marca, simplesmente jogando-o por ai é como assassinar nosso próprio pensamento, mas longe de tachá-lo de suicídio.
O anonimato manifesta-se e afeta desde as pequenas coisas da vida, até atingir proporções inimagináveis.
A primeira situação de anonimato, apresentou-se quando eu tinha cinco anos, estudávamos no primeiro ano, na escola contígua a igreja Nossa Senhora do Belém, em Porto Alegre, bairro que era maravilhoso, afastado do centro da cidade, banhado pelo Guaíba, enfim, parecia uma cidade do interior, onde tudo rodeava a praça e a igreja.
Pois bem, numa das tardes na escola, tivemos a oportunidade de subir a escadaria que levava a torre do sino, não lembro bem o porquê, na ida um de nossos colegas dispensou num dos degraus, um pedaço de bolo que ele não queria mais. Flagrado o inerte pedaço de bolo por uma das religiosas, ela perguntou quem havia deixado-o cair ou jogado-o ali, tão sagrado alimento, então o próprio autor, que o havia abandonado, apontou para o colega que distanciara-se e disse:
- Acho que foi ele que deixou cair. O acusado era um colega que não abria a boca para nada, nem para defender-se e tacitamente aceitaria a acusação.
De volta a sala de aula a religiosa aplicou-nos um sermão sobre o trato com os alimentos e principalmente com o pão, que representante do corpo de Cristo. O acusado ainda recebeu recomendações mais detalhadas, inclusive que deveria ter oferecido aos coleguinhas antes de abandoná-lo.
Nada disse, eu com cinco anos e ele com sete, tive medo de represálias.
De retorno para casa, contei a passagem para mamãe, que aplicou-me mais um sermão. Ambos os sermões são-me úteis até hoje.
Não dar autoria nos próprios atos, mesmo que perversos é como o homicídio dos próprios pensamentos.
Da série: Coisas do anonimato. Primeira crônica. 2017