Hora do Rush

Acorda, depois de uma noite mal dormida.

Preocupado com os afazeres do trabalho, teve pesadelos, dores nas costas. Mal ouve a esposa durante o café - àquela hora da manhã, já está a mil por hora. Sai de casa. Quase esquece de beijá-la e nem vê seu filho que se preparava para ir à escola. Trânsito. Mais trânsito. Uma reunião muito importante logo na primeira hora do trabalho. Tinha que chegar o quanto antes para se preparar, imprimir relatórios que o chefe havia cobrado há uma semana. Olha no relógio. Já se imagina atrasado. Um filete de suor escorre pela sua fronte. Seus olhos ficaram viciados - iam do carro da frente para o relógio, nesta ordem, sem parar. Sente uma vontade incontrolável de xingar tudo e todos. Parece que o mundo naquele dia resolveu conspirar contra ele. Chega ao trabalho. Atabalhoado, vai desviando dos colegas e nem os escuta a lhe desejar bom dia. Liga o computador, fica impaciente com a demora e a lentidão do sistema. Consegue o material, vai para a sala da reunião. Sente um enorme desconforto ao adentrá-la, tenta entrar de soslaio, discretamente. As metas para aquele semestre haviam aumentado em mais de 20%, e já imaginava as horas extras que teria que fazer. Teve que sacrificar vários encontros com a turma da faculdade que já não via desde a formatura. Amigos de infância? Não tinha mais tempo para eles. Só trocava e-mails com dois ou três deles, mas o projeto de lançamento do novo produto da companhia alguns meses atrás o havia consumido de tal maneira que sequer lembrava que eles existiam. Sai da sala apressado, ainda ajeitando a papelada nas mãos. Seu relógio já marcava 13:00h. Não tinha tempo para um almoço digno, só um rápido lanche na esquina. Volta esbaforido para o escritório. Sente-se infeliz só em ver sua mesa, cheia de papéis espalhados pela superfície, mal via o mogno que se escondia por debaixo deles. Lembrara-se da noite mal dormida, quando teve um terrível pesadelo de ser devorado por um enorme monstro de papéis a lhe cobrar relatórios que desesperadamente alegava não ter tido tempo de prepará-los. E o telefone não parava de tocar. Nem para aquele momento do cafezinho com os colegas do trabalho tinha tempo. Estava totalmente submerso naquele universo de papéis. Seu trabalho não rendia, era cobrado pelo seu chefe, que já insinuara a necessidade de voltar a estudar. Cobrava-se a si mesmo. Chegava a pensar que seu pior algoz não eram os outros. Era ele mesmo. Tinha dores de cabeça atribuídas às preocupações nos dois últimos anos - e não havia sinais de que a maré poderia se acalmar. Ficou até às 21:00h no trabalho, tentando colocar o mínimo de ordem para o dia seguinte - e já se imaginava sem tempo para os compromissos. Suspirou amargamente. Desejou que seu dia tivesse 72 horas, e já concluíra que ainda assim, seria pouco. Chega em casa com sua roupa totalmente amarrotada - nem parecia aquele terno passado impecavelmente que vestia na manhã daquele dia. Passa pela cozinha, dá um "boa noite" tão baixo que sua esposa ficou preocupada. Passa pela sala de jantar, sem ânimo e paciência para ouvir seu filho sorrindo a mostrar-lhe seu dever de casa. Cai na cama. Sente uma leve pontada no coração, uma dorzinha que eventualmente aparecia, geralmente em dias muito estressantes. Gostaria de viajar mais, de ter mais tempo para sua família. Sentia-se infeliz por não acompanhar direito o crescimento de seu filho, que o adorava. Há tempos não tinha finais de semana tranqüilos.

Ficara pensando já nos afazeres do dia seguinte. Um filete escorria pela sua fronte, desenhando caminhos tortuosos em sua face. Não, não era suor. Eram lágrimas. Não agüentou mais levantar da cama. Desmaiara de cansaço ali mesmo, de roupa e tudo. Só um último pensamento ficou em sua mente pouco antes de "apagar": Indagava-se sobre quando foi que havia perdido a alegria de viver....

Marcio Roque
Enviado por Marcio Roque em 05/08/2007
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