SOB A PERSPECTIVA DA DOR, QUAL O “SOPRO LIMITE”?

No último final de semana eu acompanhava um familiar para uma cirurgia no mesmo hospital no qual , há trinta e três anos, eu iniciava o aprendizado do exercício da minha profissão.

Foi ali, do outro lado da cena costumeira, que me surgiu meu escrito, na observação duma sequência de fatos permeados por algumas “coincidências”.

Assim que cheguei, olhei o todo e tive certa dificuldade espacial para me localizar no tempo.

Confesso que me assustei: tudo muito, deveras mudado.

O entorno, nem de longe lembrava o espaço duma rua tranquila, que um dia foi meu endereço de domicílio e de “residência” de ofício, e por ser final de semana, ali tive a falsa sensação duma breve trégua que escondia a árdua batalha do sofrimento humano que hoje nos permeia por todos os lados, ainda que subliminarmente.

Doentes espalhados pelas várias escadas de acesso aos prédios, sofridos vendedores ambulantes em súplica pela sobrevivência, pessoas sequeladas em cadeiras de rodas empacadas nos buracos das calçadas, andarilhos sentinelas da fome pelos poucos bares abertos, enfim , trinta e três anos passados do início dos meus sonhos que ali esboçavam o desenrolar dum cenário de miséria holística estampada a céu aberto, tendo como centro a mão dum resiliente Hospital- Escola que forma bons profissionais e que muitas vidas acolhe e salva.

O que terá acontecido para tanta mudança, meu Deus?

Digo que trinta e três anos são um livro dentro de mim, todavia, são um breve flash de vida num espaço que sinto como atemporal.

E por falar em livro, antes de sair de casa, olhei para um que há tempos ganhei do meu irmão, mas que me aguardava ali, meio esquecido, em meio à nossa correria robótica do dia- a -dia.

“Taí uma oportunidade de lê-lo!” –pensei, então, rapidamente o coloquei na bolsa e parti para mais uma crônica de vida.

Enquanto aguardávamos pelos procedimentos hospitalares, depois de ganhar no peito uma identificação “distinta” de “SAÚDE SUPLEMENTAR", bati os olhos na capa do livro e só ali entendi do que se tratava, um documentário "teo-filosófico" sobre a possibilidade duma DATA LIMITE para que a humanidade possa tomar novos e promissores rumos.

Lembrei do meu cenário irreconhecível de vida...e arrepiei.

Seria só uma coincidência?

Abri o livro aleatoriamente e um capítulo se apresentou a mim: “PERSPECTIVAS”.

Numa bela linguagem metafórica que se vale duma televisão e dois expectadores diferentemente posicionados a ela para a que vejam, num ambiente neutro e sob suas duas perspectivas, os autores ali instigaram o meu sentimento cético a me fazer entender que meu ceticismo vem exatamente da perspectiva do meu ponto de vista congelado, que, por trinta e três anos, parte da mesma observação diária da perspectiva da minha tela, a de observar tanto sofrimento humanístico progressivo.

Por um instante, senti minhas orelhas vermelhas e puxadas...

Decerto que na vida temos que mudar todos os “dials” para SÓ DEPOIS fazermos uma resenha mais apropriada de todos os atos da misteriosa obra ABERTA que nos é apresentada.

Ato continuo, no quarto do hospital, sob a perspectiva da nossa tela da televisão aberta pelos finais de semana, outro susto: a alienação social NOTÓRIA via programação que ali se propagava.

Não demorou para que eu desistisse da televisão aberta e voltasse ao meu livro fechado na DATA LIMITE, aonde, ao reabri-lo, viajei por descrições muito interessantes, instigantes e animadoras.

Deduzi: “Sim, penso que urgentemente esperamos por uma data limite sim, e faz tempo, talvez desde que chegamos como HOMENS nesse planeta meio bagunçado, meio passado de muitos limites do razoável”.

Abri a janela do quarto, fotografei e postei uma árvore linda, a árvore da China, que espocava seu viçoso verde-amarelo.

Aliviei meu coração...

Logo mais, quase madrugada, outra “coincidência”: Insone, insisti mais um pouco na perspectiva da tela da televisão do quarto e eis que o “dial” da TV CULTURA nos apresentava o grande tudo, mais conhecido como sociólogo, Gilberto Freyre, especialista em BRASIL, que há exatos trinta e sete anos era entrevistado pelo VOX POPULI, a comemorar seus lúcidos, geniais e inacreditáveis oitenta anos e a nos falar, em AULA MAGISTRAL, sobre Brasil e suas PERSPECTIVAS para o futuro: esse, que já nos chegou.

Sinto que ele mesmo não acreditaria...se ainda estivesse por aqui.

Alguém lhe perguntou: “professor, se hoje o senhor fosse escrever outro livro na linha de "CASA GRANDE E SENZALAS”, o intitularia com qual BINÔMIO?

Gelei com aquela proposta criativa, algo visceral.

Ele, discreta e elegantemente saiu pela tangente...

Eu não acreditava no que ouvia: falava Gilberto Freyre sobre a essência social de seus livros, sobre a criação do seu novo conceito sócio-antropológico sobre BRASIL, o genial conceito de "META RAÇA" –pelo qual ganhou um prêmio de sociologia nos EUA, que já na época poucos sabiam por aqui; e também nos conatava sobre um fato singular, o de que um seu título em especial, ainda em resenha e no rascunho, lhe fora furtado:

“ JAZIGOS E COVAS RASAS”.

Arrepiei novamente.

Não, tantas coincidências assim não existe e eis que senti que RECEBI a resposta à minha pergunta lá de cima, a que faço todos os dias, pergunta dum coração em pensamento à SABEDORIA MAIOR, a que habita e nos vela, lá do alto, sobre todos nós.

O que teria acontecido com o Brasil, afinal?

O título sociológico de Gilberto Freyre , o de segmentação social surreal, na VIDA e na MORTE, a mim, já bastava como resposta e fechava o meu quebra- cabeças montado na perplexidade.

Num flash de APENAS trinta e três anos, o que aconteceu é que, por todos os meios sem fins justificáveis, caminhamos cada vez mais segmentados entre:

POUCOS JAZIGOS E INCONTÁVEIS COVAS RASAS!

Então, me perguntei que título BINOMIAL eu daria à minha inquietação.

ALIENAÇÃO & CORRUPÇÃO?

Ou “trinomial”, quem sabe...

ALIENAÇÃO & CORRUPÇÃO & DEGRADAÇÃO?

E de sobra eu ainda me questionaria: Sob a PERSPECTIVA DO DESCASO CRÔNICO, qual a nossa DATA LIMITE para que nosso CORAÇÃO coletivo nos resgate de nós mesmos?

Assim pensando, desliguei a perspectiva da tela da TV, fechei a perspectiva do meu livro e adormeci na PERSPECTIVA SOBRENATURAL, a duma DATA LIMITE DA DOR para que, juntos, possamos novamente sonhar um MESMO e abençoado sonho.

Um sonho de vida em vida menos rasa, ao menos.