UM OLHAR, UMA LAGRIMA
Um olhar, uma lágrima
Fico observando da janela uma jovem mulher, com uma pequena e disfarçada lagrima na face, parada à beira da rua com o olhar fixo no vazio. Existem muitas coisas que ela pode admirar ali. Um pequeno pomar que ainda resiste ao desenvolvimento urbano, uma cachoeira que apesar do rio descolorido e já sem as suas velhas e límpidas águas, porém com o mesmo som que lhe é peculiar, ou a nova máscara da avenida que ali está sendo construída.
Não, ela está vendo algo para mim invisível. Ela está visualizando a sua velha bela casa, que ali esteve por muitos anos erigida. Ali ela viveu maravilhosos momentos de núpcias. Ali criou seus seis filhos e amou intensamente seu marido. Ali sorriu nos dias de festa, nos dias de aniversários, nas noites de natal, nas passagens de ano e em outros grandes momentos familiares. Ali chorou nos seus dias as dores do parto e noutros dias o cuidado com o marido ou um dos filhos doente. Ali está naquele instante dolorida, porque um filme que certamente começa em preto e branco, mas surge a felicidade de estar revivendo cada um daqueles instantes num misto de grande alegria e dor onde as cores exuberantes do luar, do nascer e do por do sol, luzes estas que só ela pode visualizar e que para mim é invisível ao olhar.
Sim, agora me lembro bem, ela tinha uma casa ali, mas, o serviço social público, acha que basta um comunicado que “dentro de até dois anos, será feita uma indenização a todos os moradores daquela região, cujos imóveis serão demolidos e naquele local será construída uma avenida sanitária”. Algumas reuniões coletivas com a intervenção de políticos, da associação de moradores, outras individuais com a Assistente Social, outras com toda a família onde as crianças estão brincando alheias àquela dura realidade, e ao final de tudo isso vem uma oferta financeira, baseada num valor venal que é muito aquém do valor real e apenas “suficiente”.
Feito este pagamento, e com prazos pré determinados é enviado um caminhão com alguns funcionários do departamento de parques e jardins para auxiliar na mudança. A família sai, arrasada, destruída, inclusive aquelas crianças que continuam brincando. O progresso representado por uma maquina não dotada de sensibilidade, vem e transforma toda aquela história de vida em entulho, joga numa caçamba e descarrega em qualquer lugar. O capitalista tem o dinheiro e paga. Entretanto, aquele batimento cardíaco silencioso, aquele sentimento dolorido apertado no peito e aquela singela lágrima que corre na face daquela jovem mulher que observo, não tem preço.