BUSCAPÉ SEM RABO NA IGREJA
Sempre me encantou, mas tinha um medo danado dos fogos de artifícios. Aquele céu colorido das mil lágrimas e das estrelinhas, o barulho do estampido e o rastro riscado no céu pelas mil fagulhas como cuspidas do rabo de um cometa deixava-me um tanto extasiado e medroso. Já até corri apavorado de busca-pé.
Segundo Roberto Benjamin o busca-pé está classificado como fogos de tiro juntamente com o rojão, salva, foguete de vara e pistola. Precisa ter cuidado e habilidade para solta-los para não se tornarem perigosos
O busca-pé consiste em um pequeno cilindro de papelão grosso carregado de pólvora fraca, dotado de um orifício de escape e uma vareta estabilizadora, ordinariamente feita de taquara. Uma vez aceso o seu pavio, o busca-pé, por efeito do peso da taquara, desloca-se velozmente e rente ao chão, sempre na mesma direção sugerindo buscar os pés dos circunstantes; daí o seu nome.
Lembro-me que a molecada, não gostando da tecnologia do busca-pé sempre cortava uma parte do comprimento da taquara. Com a vareta cortada e o fogo no rabo o artifício saia feito um filho da puta sem direção certeira apavorando quem estivesse por perto. Era divertido, mas inconseqüente.
O padre da paróquia, um ex prisioneiro de guerra não suportava qualquer estampido e ao ouvi-los se jogava incontinente ao chão; por conta disto tinha excomungado todos os fabricantes de bombinhas e também todo aquele que comprava ou soltava estes malditos artifícios.
No início da noite a Igreja estava lotada principalmente das senhoras do Sagrado Coração, das mocinhas filhas de Maria e dos homens Congregados Marianos. O padre de costas para o altar, ao centro do corredor principal da nave, sentado confortavelmente em uma poltrona conduzia fervorosamente a oração do terço.
Os moleques na frente da Igreja, provavelmente filhos daqueles que em oração se encontravam no interior da nave conversavam, riam e brincavam despreocupadamente. Para aqueles meninos o mundo dos pecados, da morte, do inferno e das excomunhões pertencia aos adultos. Era tudo balela.
Quando tudo parecia paz, abençoada pelo vozeio que vinha do interior da Igreja pelas ave-marias repetidas de forma lamuriosa apareceu um moleque trazendo um picuá com dezenas de taquaras a vista. Deus atendia pacientemente aquelas preces e anotava os pedidos de graça de cada um e não estava com muito tempo para atender a molecada e com isto deu brecha para o capeta fazer a festa.
- Eu descobri uma forma mágica de melhorar o busca-pé, dizia o chegante todo faceiro para a turba.
A molecada fez um círculo para ouvir a palestra e participar de uma oficina de como construir um busca-pé potente. Explica daqui e explica dali e a conferência teórica foi finalizada com o início da demonstração prática.
Retirou cuidadosamente do picuá dez artifícios que já estavam caseiramente preparados em pólvora forte para dar maior volume ao estampido e as colocou alinhadas no chão. As varetas de curta metragem não passariam pela inspeção do IMETRO.
O capeta, agrupado com os seus possíveis futuros clientes do inferno estava atento e dando maior apoio a tudo isto.
- Vocês devem ficar de costas enquanto eu coloco fogo no rabo dos busca-pés, ordenava o moleque.
O capeta se materializando implorou para ele esta responsabilidade ao que foi atendido.
Rindo a gargalhada solta, não precisou de fósforos, trouxe um pedaço do inferno e iniciou o tumulto.
Os artifícios acesos pegaram rumos diversos provocando uma gritaria infernal na frente da Igreja. Os fieis pararam com as orações e por segundos dentro da nave ficou em suspenso um silêncio sepulcral. Deus antevendo a encrenca se mandou para o céu.
Enquanto alguns busca-pés regidos pelo capeta se divertiam voando de um lado para outro entre as pernas da apavorada molecada três deles, conduzidos pelo chifrudo adentravam a nave vomitando uma labareda enorme pelo orifício traseiro. Depilavam as pernas peludas das velhas, lambiam despudoradamente as virilhas das moças e chamuscavam as pernas das calças dos homens.
Os fieis em terror deixaram de lado as lamuriosas orações para com palavrões se juntarem aos estampidos dos busca-pés; Desesperados se apinhavam tentando sair pela porta central. Na falta de Deus o capeta fez da Igreja um inferno.
O padre de bruços, com a batina chamuscada desfiava maldições e distribuía excomunhões.