Caninhos do aprendizado
 

Para me conhecer melhor e entender o processo educativo
recebido, percebi que precisava rever toda minha trajetória,

entender quais pessoas poderiam ter ajudado em minha

formação no decorrer da vida. Recebi muitas influências e

acabei me tornando a combinação de vários parentes, amigos,

professores, colegas e pessoas comuns.
Os medos, preconceitos, certezas, radicalismos, modos de
agir e pensar foram sendo formados sem que eu percebesse.
A minha educação começou como a de qualquer outro garoto,

no lar, mesmo antes de saber ler e escrever. Meus pais não tinham

muito tempo exclusivo para mim e desconheciam a real importância de

uma educação de qualidade. Precisavam ganhar a vida e repartir a atenção

com irmãos e visitas que povoavam minha casa constantemente.
Entre essas visitas sempre tinham alguns tios e primos mais velhos
que, com frequência, me ensinavam algo, alguns deles mais tarde se
tornaram professores. Com eles tive a oportunidade de ouvir minhas
primeiras histórias, aprender algumas palavras em francês, português,
aprender matemática, jogar baralho e a colecionar selos.
Depois entrei para o pré-primário no ano de 1970 e minhas
duas irmãs para o jardim da infância. Como quase não saía de
casa, foi um acontecimento muito bom e de boas lembranças. Fiz
várias amizades, as quais mantenho até hoje e de vez em quando
encontro com minha ex-professora. Aprendi a me relacionar com
um número maior de crianças, desenhar, colorir e me encantar
com as histórias lidas pela professora. Hoje tenho noção de que
o que vivi nessa fase ajudou a moldar a minha personalidade,
minhas crenças e um gosto momentâneo pela escola.
Em seguida comecei o ensino fundamental e fui perdendo o encanto

pela escola, sei que os professores daquela época não conheciam
outra realidade. Eu era uma criança muito cordata e medrosa, mas
me lembro dos castigos, puxões de orelhas, varadas e reprimendas
que meus colegas sofriam. No final do segundo ano tínhamos que
fazer uma leitura correntemente para a diretora do colégio, consegui
passar por esse teste, mas até hoje me recordo de meu pavor. Outro
detalhe era que apesar de ser bom em matemática, nunca consegui
decorar a tabuada e confesso que nunca fez a menor falta. A língua
portuguesa tornou-se um martírio para mim! Gostava de fazer redações

e era até bem criativo, porém algumas vezes a professora lia
minhas redações com todos os erros de ortografia e gramática para
toda a turma, o intuito podia até não ser macular minha imagem,
mas eu tinha ódio desses episódios. Meu pai trabalhava em um

consultório anexado a minha casa, algumas vezes meu castigo era ficar
no consultório lendo a revista Nosso Amiguinho. Essas experiências
me marcaram para o resto da vida, superei as dificuldades e hoje
percebo que poderia ser bem diferente.
Terminado o quarto ano, saí da escola pública para a particular,
em minha cidade só tinha essa opção. Perdi vários de meus colegas,
pois não tinham como pagar o Ginásio. Achei o máximo ter vários
professores, matérias, livros e cadernos. Com certeza essa convivência

com tamanha diversidade acelerou o meu amadurecimento.
Alguns professores eram ainda paternais e qualquer problema que
tivéssemos na escola avisavam nossos pais. Perdi completamente
o interesse pela escola e na 7ª série fui reprovado, meus pais não
acharam bom, mas se conformaram sem muita dificuldade.
Por influência de alguns colegas, curiosidade e iniciativa própria,

fui parar em um colégio interno de padres em 1978. Minha
formação como pessoa deu uma guinada enorme, além da religiosidade,

regras mais rígidas, nos ensinavam vários princípios. Só agora
fazendo uma analogia percebo que lá era uma escola diferente, mais
próxima da escola desejável de hoje e preocupada com a formação
do cidadão para o mundo. Estávamos sempre trabalhando em
grupos: na limpeza, teatro, artes, atividades físicas, jogos, orações
e estudos. Muitas vezes éramos postos a pensar, experimentar, criar e
inventar. Sem ser brilhante consegui tirar boas notas e concluir
o ensino fundamental e a carreira religiosa. A dificuldade com o
português persistia e para conseguir boas notas eu fazia poesias,

as quais o professor valorizava bastante.
No primeiro ano do ensino fundamental voltei à escola particular,

achei tudo muito elitista e repleto de mauricinhos e patricinhas.
Como vinha de um colégio interno que cobrava bastante, fiz o 1°
ano sem muitos percalços, mas perdi o entusiasmo pouco tempo
mais tarde. No 2° ano troquei de colégio logo no início, voltando
para escola pública para não ser reprovado.
Fui aprovado no concurso Cemig/SENAI e admitido em 01 de
fevereiro de 1982 voltando para um método de ensino mais preocupado

com a formação do indivíduo. Na época era a melhor escola
técnica no ramo de eletricidade da América Latina, aulas teóricas,
práticas, visitações e muito trabalho em equipe. Em minha estadia na
escola de formação profissional da Cemig, fiz um poema que, depois
de algumas correções da professora de português, ganhou destaque
nos murais. Depois de efetivado como técnico, sempre estava fazendo
cursos e participando de palestras, realmente conheci pessoas boas
que me ajudaram a aprimorar os meus conhecimentos técnicos e
humanos. Participei de vários concursos de frases durante a SIPAT
– Semana Interna de Prevenção de Acidente do Trabalho, ganhei
quase todos e tinha minhas frases expostas nas salas de palestras.
Concluí o ensino médio em uma escola pública já trabalhando
na Cemig no ano de 1984, a meta era ter o segundo grau completo

e nem recordo direito os detalhes. Nessa mesma época iniciei
minha carreira de empresário no ramo de autopeças.
Antes de chegar ao UNIS, fiz cursinho pré-vestibular e frequentei
o curso superior de Ciências da Computação por três meses. Logo
em seguida comecei o curso de Engenharia Civil em uma faculdade
particular em 1998, tinha tudo a ver comigo, pois sempre me saí
melhor em exatas. Apesar de ter quase 15 anos que havia parado de
estudar, conseguia superar os obstáculos, trabalhava na Cemig, na
qual viria me aposentar em 2010. Consegui sentir motivação novamente

pela escola, estudava em minhas horas de folga e viajava mais
100 km para frequentar a faculdade. A visão de mundo e aprendizado
que o meio acadêmico proporcionou foi enorme. Essa experiência
aumentou meus contatos profissionais, o que ajudou a melhorar
minha empresa e ampliar os negócios. Em 2000 tive um acidente
de carro com perda total do veículo, não tive nenhum arranhão, mas
como fiquei sem carro abandonei a faculdade.
Em 2012 comecei a publicar, no Recanto das Letras, os contos

e poesias que havia escrito ao longo de minha vida, a maior
dificuldade era a ortografia e gramática, alguém sempre tinha
que corrigi-los. Esses textos foram lidos por várias pessoas e fui
convidado para participar da publicação de três livros. Sempre
tive facilidade para inventar histórias e escrever poesias, mas muita
dificuldade com o português.
Pensei em retomar a faculdade de engenharia, porém não
queria ficar preso a horários e viagens. Alguém me falou sobre o
UNIS e o ensino a distância, uns quinze dias depois, no segundo
semestre de 2014, comecei o curso de Licenciatura em Letras.
No início tive algumas dificuldades com o ambiente do ensino a
distância, porém adorei poder fazer meu próprio horário e estudar
a hora que eu quisesse. Os métodos utilizados pelos professores,
a autonomia exigida, a didática e a preocupação com a formação
humana dos educandos me encantaram. Ainda assim acreditava
não chegar ao final do curso, hoje aqui estou, no último período
e nem acredito que terei o título de professor em meu currículo.
Atualmente não tenho a menor pretensão em trabalhar em
alguma escola, mas sei que tive uma ótima formação e não teria
muitas dificuldades. Como gosto de escrever, provavelmente,
darei continuidade ao meu projeto de curso em andamento, o
qual é descobrir e incentivar novos escritores no meio escolar.
No final deste semestre publicaremos um livro com os textos dos
alunos que venho hospedando na página do Recanto das Letras.
A minha história como estudante e as experiências que tive ao
longo da vida me proporcionaram entender que precisamos de
mediadores de aprendizagem preocupados com a formação dos
educandos. Formação essa que precisa ser significativa,

contextualizada, moderna e emancipadora, para que os alunos

possam ser escritores de suas próprias histórias.
A educação autoritária e centrada no professor que recebi em
minha época e persiste em muitas escolas não cabe mais nos dias
atuais. Esses métodos são criticados e rejeitados com toda razão,
porém a transição para os tempos atuais não está sendo bem feita
ou tendo o sucesso esperado. A grande dificuldade da educação
é mediar um aprendizado libertador e sem libertinagem, em que
professores, alunos e demais profissionais da educação possam
encontrar um caminho digno para todos.
As respostas para as problematizações estão espalhadas por
todos os lados e das mais variadas formas. São quase infinitos
os veículos de informação, a função do professor é despertar o
interesse do aluno em buscar soluções para os problemas propostos.

O que ensinamos para os alunos tem de ter serventia para
alguma coisa ou empacotaremos vento. Temos que trabalhar
a curiosidade e capacidade de pensar do aluno, as “decorebas”
serão esquecidas dentro de pouco tempo e o que restará é o que
foi lapidado no raciocínio de cada aluno.
Educar é a difícil arte de aguçar com magia a curiosidade do educando

pelo saber e isso só acontece quando conscientes, conseguimos
encantar o outro com a magnitude e prazeres no aprendizado. Nesse
momento a paixão inicial pelo conhecimento poderá transformar-se
em amor eterno, perpetuando a evolução do ser humano.


Kennedy Pimenta 🌶