Receita de anti-herói
O goleiro Bruno, ex-Flamengo, foi solto e imediatamente começou a ser festejado. Houve “selfies” com vários fãs, não sabemos ao certo se participou do programa Ana Maria Braga, da Globo, e parece até que já teve o oferecimento de um time em que passaria a treinar.
Uma pessoa comum comete um crime com grande repercussão – o assassinato, por exemplo, de uma jovem com macabros requintes de crueldade e a preocupação de que o corpo jamais aparecesse para que o crime não se configurasse – e se torna uma estrela. Se o agente já tinha, como no caso do Bruno, certa condição de homem público, de certa forma ele recupera com a liberdade o prestígio. Acaba virando um anti-herói.
E, como já dissemos, os mortos são para ficarem no esquecimento. Aliás, como disse o próprio Bruno, “A prisão perpétua não trará de volta a vida de Elisa”.
Isso pode parecer estranho a alguns, mas não a uma parte da sociedade sobre a qual pairem os ditames de uma Justiça como a nossa. Ronald “Ronnie” Bigss, o homem do assalto ao trem postal na Inglaterra, em 1963, do qual, com mais 15 comparsas ajudou a retirar 2,6 milhões de libras, tornou-se estrela aqui, onde engravidou uma brasileira, mas provavelmente não teria a mesma “moleza” no Reino Unido.
A Globo não vai entrevistar um poeta ou escritor desconhecido ou um movimento de poesia sem expressividade comercial no cenário artístico carioca. Mas no caso do Bruno, se ele esteve mesmo na Ana Maria Braga, isso sem dúvida pode contribuir para a elevação dos índices da emissora no Ibope. Não deixa de ser comércio. Não importa o que ele fez ou não fez. Nem porque motivo o juiz o soltou. A questão de justiça não importa.
Essa é a lição de todos os dias que, na verdade, estamos cansados de saber.
Rio, 06/03/2017