Ao Dançar
O dia é como uma dança. Meus ombros nus, meu corpo sem muitos detalhes, poucas definições. Só a minha calça e meus pés descalços ao chão. Meu peito para fora, estufado, e minhas mãos ao ar, junto com meus braços erguidos como asas e lá estão eles, meus dedos soltos esperando o segurar de outros.
Foram meses nessa posição, dedos soltos, a coluna pedindo ajuda com dor de se manter reta, os ombros nunca tão bem postos, o crânio no lugar. Era pose de bailarino, e eu jamais tinha entrado num salão de dança. Era o natural se manter firme, belo e com a pose, para mostrar para o mundo o meu preparo.
O tempo bate, os primeiros dedos que passam pertos se esquivam com o meu balançar e a vulnerabilidade das pernas cobertas. A falta do entendimento do porquê eu estava metade vestido, e o meu medo de me mostrar por inteiro, acabou afastando parte do mundo. Foi difícil, e foi doloroso, mas os dedos daquele que ficou próximo nunca tocaram nas minhas mãos entregues, e só serviram para rasgar a calça que protegia as marcas da minha perna, e as inseguranças que essas carregavam.
Fiquei seminu, com a cueca velha que familiares um dia me entregaram com amor, antes de saber o que meu coração escondia. O meu olhar pesado, esperava dedos masculinos juntos aos meus. Não foi fácil para a família, o que inclusive foi uma das punhaladas que levei nas costas, mas que consegui me manter em pé.
Com o andar de dedos próximos e seu ir embora, minha pose foi recuando. A coluna aos poucos abaixando, e meus pés não estavam tão mais excitados com o calcanhar ao seu levantar. Os braços abaixaram um pouco e meus olhos tenderam ao fechar. Até que outras mãos apareceram, com os dedos negros e fortes, fingiu encostar em mim, mas apenas me mudou de posição no palco, me deixando atrás do seu foco de luz, onde ele só precisava de algum homem para acompanhar e demonstrar não estar sozinho.
A beleza da minha posição nunca esteve nos cabelos, e sim no meu manter em pé. Os dedos negros foram embora, assim como os demais. Esses que junto a eles levaram a força dos meus joelhos e me jogaram ao chão, dedos baixos, uma boca sem cor, e olhos fechados. O levantar é mais difícil do que se manter em pé, sempre foi. E meus pés ali deitados, foram o principal motivo de encontrar força. Eu ainda era a pessoa que jamais tinha entrado no salão de dança, e meus pés só queriam o movimentar.
Entrou na sala uma terceira mão, mais suave e com melhores intenções. Essa foi breve, apareceu rápido, e novamente não tocou nos meus dedos ali no chão. Mas fez questão de colocar a mão no meu ombro e me ajudar a levantar. Pediu com prazer de me deixar nu, e falou com as palavras baixas que a história dele escondia, para eu não ter medo da minha nudez. Era ela, que ia finalmente deixar claro o que eu valia, e quanto valia. As cicatrizes dele doíam demais para ele continuar perto de mim, e ele só queria ficar só.
E ali me mantive em pé por mais tempo, com medo da minha nudez exposta, os olhos marejados com o doer da história e os pés ainda excitados para dançar. A quarta mão foi certeira. Com as unhas curtas, teve medo mas tocou, e esse encostar, direto aos meus dedos soltos, foi o suficiente para o entrelaçar entre eles. Aos mãos se posicionaram, o meu peito encostou no dele, e dançamos. E como dançamos... A noite longa é mais poderosa que todo o dia que roda na história, deixa os pés mais leves e mais fortes e completa qualquer olhar.
Agora, ao dançar, talvez meus cabelos tenham a beleza do movimento, e minha nudez, já dominada por outro corpo, faça sentido e se mostre da forma mais bela que pode se desenvolver. Ao dançar, o encontro é certo. Ao dançar, o motivo vira razão. Ao dançar, a gente se veste novamente com o prazer que derrama o encostar de corpos.