Corte de cabelo - (Crônica de 22/02/ 2011)
Ao longo de toda a primeira parte da minha vida tive os cabelos curtos, muito curtos, e vivia sonhando com ter cabelos longos. Durante toda a segunda parte da minha vida tive os cabelos longos tão sonhados, cabelos longos que eram belos. Escrevo “eram” porque hoje, no dia 22 de fevereiro de 2011, eu os cortei, voltei a tê-los curtos, muito curtos como foram no decorrer de toda a primeira parte da minha vida. Cortei-os, também como um ato simbólico.
Enquanto via meus cabelos indo para o chão, chorei muito. Chorei, enquanto me sentia sendo despojada (com a queda dos meus cabelos ao chão por ato voluntário) de tantas imagens de mim, das tantas imagens da que fui, da que tenho sido, imagens que estavam expressas no longo dos meus cabelos; chorei, enquanto via a aflorarem, incoercíveis, as imagens que haviam ficado impressas nos meus cabelos curtos.
Ah, imagens dos tantos tempos de mim, de curtos e de longos cabelos! Tempos em que, bem ou mal, sentia-me realmente parte ativa do mundo e no mundo, como estudante, dos sete aninhos aos mundos da USP, no durante do meu primeiro trabalho, também por sete anos, como orientadora dos alunos na Sala de Pesquisas da Biblioteca Infanto-Juvenil “Álvaro Guerra” do bairro de Pinheiros, na capital de São Paulo; posteriormente e por muitíssimos anos, como professora de Português na Rede Municipal de Ensino, tempo que começou com meus de sempre até então cabelos curtos e prosseguiu com eles, estendendo-se ainda, por tempo razoável, pela segunda parte da minha vida, a dos longos cabelos. Tempos de muitas viagens com os amigos, tempos de meu pai vivo, tempos de irmão cúmplice e companheiro, tempos de sonhos com um País e um mundo outros, tempos, simultaneamente, sempre de guerras interiores, que isto faz parte da minha natureza, mas, tempos em que ainda o Sonho de Amor não tinha o Rosto mágico, terrível, quase de tragédia que vim a conhecer no início da segunda parte da minha vida e que seguiu comigo até agora, no tempo só de meus longos cabelos, esses dos quais me vi despojada, hoje, por ato voluntário. Tempos dos cabelos curtos, em que eu jamais poderia imaginar-me a viver como a filha única da minha mãe: este tempo da sua velhice que me contamina de fraquezas e de solidão (...). Os tempos todos, enfim mesclados, dos curtos e dos longos cabelos de mim.
Quando tudo terminou, o espelho já não sabia qual imagem de mim mostrar. A dificuldade permanece ainda, algumas horas depois, mas, os espelhos sempre acabam por tomar uma decisão. Aguardarei esta decisão; depois pensarei no que fazer da imagem de mim que tais espelhos haverão de mostrar, da imagem que eles, forçosamente, haverão de devolver.
Na noite de 22 de fevereiro de 2011.
P.S. O que me dizer neste 05 de março de 2017? Que não reencontrei ainda o reflexo do meu rosto e da minha vida no espelho. Ainda não. Tenho, porém, um Amigo que me diz ser isso ainda possível e isso que ele me afirma com certeza íntima me dá alguma ânima, para eu voltar a lutar por mim... por meu rosto, por minha vida... Ave, Amigo meu.
Enquanto via meus cabelos indo para o chão, chorei muito. Chorei, enquanto me sentia sendo despojada (com a queda dos meus cabelos ao chão por ato voluntário) de tantas imagens de mim, das tantas imagens da que fui, da que tenho sido, imagens que estavam expressas no longo dos meus cabelos; chorei, enquanto via a aflorarem, incoercíveis, as imagens que haviam ficado impressas nos meus cabelos curtos.
Ah, imagens dos tantos tempos de mim, de curtos e de longos cabelos! Tempos em que, bem ou mal, sentia-me realmente parte ativa do mundo e no mundo, como estudante, dos sete aninhos aos mundos da USP, no durante do meu primeiro trabalho, também por sete anos, como orientadora dos alunos na Sala de Pesquisas da Biblioteca Infanto-Juvenil “Álvaro Guerra” do bairro de Pinheiros, na capital de São Paulo; posteriormente e por muitíssimos anos, como professora de Português na Rede Municipal de Ensino, tempo que começou com meus de sempre até então cabelos curtos e prosseguiu com eles, estendendo-se ainda, por tempo razoável, pela segunda parte da minha vida, a dos longos cabelos. Tempos de muitas viagens com os amigos, tempos de meu pai vivo, tempos de irmão cúmplice e companheiro, tempos de sonhos com um País e um mundo outros, tempos, simultaneamente, sempre de guerras interiores, que isto faz parte da minha natureza, mas, tempos em que ainda o Sonho de Amor não tinha o Rosto mágico, terrível, quase de tragédia que vim a conhecer no início da segunda parte da minha vida e que seguiu comigo até agora, no tempo só de meus longos cabelos, esses dos quais me vi despojada, hoje, por ato voluntário. Tempos dos cabelos curtos, em que eu jamais poderia imaginar-me a viver como a filha única da minha mãe: este tempo da sua velhice que me contamina de fraquezas e de solidão (...). Os tempos todos, enfim mesclados, dos curtos e dos longos cabelos de mim.
Quando tudo terminou, o espelho já não sabia qual imagem de mim mostrar. A dificuldade permanece ainda, algumas horas depois, mas, os espelhos sempre acabam por tomar uma decisão. Aguardarei esta decisão; depois pensarei no que fazer da imagem de mim que tais espelhos haverão de mostrar, da imagem que eles, forçosamente, haverão de devolver.
Na noite de 22 de fevereiro de 2011.
P.S. O que me dizer neste 05 de março de 2017? Que não reencontrei ainda o reflexo do meu rosto e da minha vida no espelho. Ainda não. Tenho, porém, um Amigo que me diz ser isso ainda possível e isso que ele me afirma com certeza íntima me dá alguma ânima, para eu voltar a lutar por mim... por meu rosto, por minha vida... Ave, Amigo meu.