É corrente a ideia de que o medo é um alerta de extrema importância para a preservação das espécies. A velha história do lutar ou fugir, diante de situação de perigo e que causa a sensação de ameaça à sua segurança ou à vida.
E a coisa vem de longe, desde o momento em que o recém-nascido segura o dedo do adulto, ao toque na palma da mão, reflexo natural contra possível queda — reflexo de preensão palmar. Este medo vai desaparecer lá pelos cinco meses, quando descobre que pode escolher o que pegar. Olha o livre arbítrio chegando...
Outra observação interessante é a de que a maioria dos nossos medos e preocupações não se confirmam. Certa vez li que para vencer o medo basta que você o enfrente. Sei não, a simples citação de que dentro do banheiro dos fundos havia um par de botas que pertenceram ao vovô de bigode, já falecido, era o bastante para me fazer recuar e chorar, e às irmãs mais velhas também. Eu, de medo; elas, de rir... Esse medo a adolescência encarregou-se de eliminar.
Existiu o medo de escuro, que perdurou por um bom tempo, mas completamente desmoralizado ao atravessar uma chácara assoviando numa madrugada escura de inverno. Claro que a decisão de seguir em frente foi precedida de algum suor e acelerada no coração por, apenas, uns quinze minutos... rs.
Mais tarde, por força de atividades profissionais, vi-me obrigado a viajar de avião, fazendo a ponte aérea Rio-São Paulo. A constância das viagens e o tempo me fizeram entender a realidade: não há o que fazer; ou não viaja ou relaxa e goza com a cara dos outros que estão com medo. Ainda resta o plus de, no caso de haver sobreviventes, você ser um deles. Hoje, somente a boca seca durante as orientações de segurança das comissárias de bordo, geralmente lindas! Esquema de convencimento para tranquilizar os passageiros. Jogo sujo, mas que funciona.
Como pensar nos perigos do voo, diante das beldades bem ali na nossa cara, executando movimentos delicados e charmosos, quase sensuais, ensinando-nos a sobreviver em caso de acidente, para a feliz chance de vê-las outra vez? Para que nos lembrar dos perigos do voo neste momento, né? Você acha até que valeu o preço do bilhete... Repito: jogo sujo!
Depois dos trinta, começam a aparecer sinais de que dentro de você existe mesmo tudo aquilo que te mostraram nas aulas de ciências. E que doem. Ai surge o medo de operação! Acho que jamais resistirei a uma operação! Já pensou? Bisturi e sua turma? Jamais sairei vivo da sala de cirurgia. Eram as minhas lamúrias.
Senhor Nilton, o senhor tem uma pedra presa no canal ureter. Amanhã espero o senhor no hospital às sete horas para operá-lo. Nem tive tempo de ficar gelado. Apenas aquiesci com movimento da cabeça — dava pena, parecia um boi seguindo para o abate. Minha vida acabara ali...
Passado o choque, nem consegui lembrar-me que tinha medo de ser operado, que não resistiria, blá, blá blá... Se depois dos trinta você toma conhecimento do seu interior físico, depois dos sessenta, vem a confirmação. O coração cansado de guerra e maltratado pelo cigarro, joga a toalha: Infarto, aneurisma de aorta abdominal – só esta operação durou cerca de sete horas. Revascularização do miocárdio... Nem preciso dizer que, com anestesia, estou pronto para outras...
Ah, e o câncer que sempre foi o maior medo de todos os medos? Pavor! Esse medo realmente me perseguiu durante a vida, prejudicando sobremaneira a qualidade do meu viver. E eis que acabo de ser submetido a procedimento para raspagem de dois pólipos na bexiga, segundo o médico, provavelmente, “presente” dos cinquenta anos de fumante.
Estou sob tratamento de quimioterapia e radioterapia, confiante que restarei curado ao final. Para vencer o medo basta enfrentá-lo? Sim, mas é necessário e fundamental o apoio de profissionais de alto gabarito; que além do conhecimento técnico tenham conhecimento do ser humano, e que saibam fazer você rir da própria doença...
Cadê o medo de câncer? SEI LÁ! Rs.