corre, é a menininha do três...do três

7 meses de gestação para trazer a luz do mundo aos olhos meus. Eu estaria dentro de alguma estatística de normalidade dos prematuros, não fossem duas peculiaridades envolvendo meu nascimento, uma se deu no próprio parto:

Segundo a lenda, mamãe teve ruptura da bolsa com a perda do líquido amniótico no 1º dia de março ‘mas era sexta’. Urgências foram tomadas para a parturiente chegar à cidade mais próxima, visto que o município de morada contava apenas com um hospital para doidos - sempre digo que teria sido um bom lugar para minha estreia no mundo - apesar de papai ter preferido alguma Santa Casa de Jundiaí - hospital público, nas condições públicas, para pessoas anônimas - o fato foi que cheguei e não nasci, eis a primeira curiosidade da sobrevivência, esqueceram mamãe apreensiva num dos quartos de enfermaria, passados dois dias veio-lhe a grande ideia, confrontar: “enfermeira, quantos dias é possível o bebê ficar sem o líquido da placenta?” – mamãe sabia o que era placenta, o primeiro filho a deixara bem instruída em matéria de parto – antes que a pergunta fosse respondida, mamãe fuzilara a funcionária argumentando seu desejo: “se for para ficar aqui descansando, vou para casa, tenho filho pequeno para cuidar” entendem o que isso significa? era muito pior que deixar o leite no fogo, pior que esquecer roupas no varal em dias chuvosos, era o filho pequeno aos cuidados do pai, daqueles que sabem prover o lar com honradez, no entanto, fazem sopa de salsinha por não diferenciar o cheiro-verde da couve – PâNICO NA EQUIPE – a pergunta de mamãe nunca foi respondida, mas pelo desespero de todos ao descobrirem que a mulher do leito três ainda não dera a Luz, imaginamos que bebê não tenha muita condição de sobrevivência em ambiente intrauterino árido; resultado? nasci sedenta de mundo no terceiro dia de março, mas era domingo de um sol que nascia comigo! na minha calma de recém-nascido prematuro, não dei escândalos, curtia os poucos afagos, numa respiraçãozinha curta de quem medita, enquanto a parentela assistia à crisálida na esperança da menininha vingar, e me vinguei! Resisti à segunda peculiaridade da ciência, eu sempre fui positiva, desde o fator RH, mamãe negativa, que parira o primogênito também positivo, não tomara nenhuma vacina para inibir os problemas da incompatibilidade sanguínea entre mãe e o segundo filho.

Cada vez que mamãe contava esta e outras histórias envolvendo meu nascimento, uma força fantástica impulsionava minha resistência às contingências da vida, perdi o mocinho do filme de Faroeste (Papai), assisti à transformação de uma diva em guerreira(mamãe), virei a tal filha do meio, bicho que cresce solto, rodeada de afeto, aventuras e coragem; somente na vida adulta, depois de me tornar mãe, é que conheci o medo. Hoje, nesta minha quadragésima sétima data natalícia, numa quarta-feira pandêmica, busco resgatar a criança independente e corajosa que fui, acho que estou de parabéns!

Quem venha um mundo melhor!

Salve 03/03/1974

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