CRÔNICA - Histórias da Caserna – 16.01.2009 - Parte I
 
Quando meu neto Caio estava nas Forças Armadas, no CPOR, inventou de me pedir que escrevesse algumas passagens minhas da época em que fui servir ao glorioso Exército Brasileiro. Não me fiz de rogado e, com muito prazer e saudade comecei assim com o texto abaixo, isso em janeiro de 2009, que tenho a satisfação de levar ao meu público leitor do Recanto das Letras.

 
CRÔNICA – Histórias da caserna – 16.01.2009 – Parte I
 
 
Como todos os rapazes brasileiros na época (final dos anos cinquenta), apresentei-me ao nosso exército para submeter-me aos exames de saúde, pois chegara a hora de cumprir o serviço militar obrigatório. Por coincidência um dos encarregados dos preparativos que antecediam referidos rituais era um terceiro sargento, velho conhecido meu de futebol do bairro de Campo Grande, aqui no Recife, o Edmilson. Então ele me acenou com a possibilidade de “sobrar” (+), para o que me contemplaria com a letra “C”, como que se fora inapto. Numa boa contestei, e disse que era do meu desejo servir, mesmo porque naquele tempo o tratamento que os soldados recebiam era muitas vezes melhor do que o de casa, isso em termos de alimentação, dormitório, possibilidade de fazer carreira, havia o soldo, etc. Espantado, dera-me a letra “B”, porque na hipótese de arrependimento ainda havia uma saída para desistir.
No dia da apresentação tomara um susto. Milhares de futuros recrutas estavam no 14º Regimento de Infantaria, no distrito de Socorro, município de Jaboatão, cidade que outrora era conhecida como uma espécie de filial de Moscou, o grande país comunista, ao que parece pela vanguarda de "pseudos-adeptos" que lá habitava.
Regimento em tempo de guerra antigamente era contemplado com três batalhões, mas estávamos em paz, graças ao Grande Arquiteto do Universo, e existiam apenas dois deles, cada um com cinco companhias, sendo duas regimentais, mais ou menos assim. Não sobrara ninguém, o quartel era muito grande, havia vaga pra todo mundo. Confesso que fiquei aliviado, porquanto ser dispensado seria uma grande frustração. Hoje, me parece estaria reduzido a apenas um Batalhão de Infantaria, talvez por medida de economia do governo. 
Fora designado para servir na CC2 – Companhia de Comando do Segundo Batalhão --, sob a batuta do Capitão Pedreira, um carioca de uma educação fora de série, que até estava transferido para outra unidade, em vias de ser desligado. Mas imprimia respeito a todo mundo, poderia ser tido como exemplo de militar das fileiras do exército de Caxias. Lembro-me de que à frente do regimento havia uma inscrição feita numa rampa gramada que dizia: “Aqui se aprende a defender a pátria”. O expediente não era como hoje, ia das 07.00 às 16.00 horas, isto é começava com o desfile matinal, a chamada parada, e terminava com a leitura do boletim interno.

Bom jogador de futebol que era, caí nas graças do tenente R-2 Ernani, um aficionado do esporte, passando a ter certos privilégios que não eram lá essas grandes coisas, mas valiam... O pouco com Deus é muito, e eu era filho de pobre, mas um homem de vergonha, trabalhador, que honrava seus compromissos, bastando dizer que trabalhara 44 anos numa única empresa e nunca faltara um dia de serviço sequer.
Geralmente ganhávamos de todas as outras unidades, não quero me gabar, porém com a “categoria” que jogava não sobrava pra ninguém, um “centromédio” de valor, e até poderia ter aparecido como atleta profissional, porquanto chegara a bater bola em infanto-juvenis do Clube Náutico Capibaribe e nos juvenis do Sport Clube Recife, porém o destino quis que tomasse outro rumo, e disso não me arrependo. Essas vitórias resultavam em folgas para os “boleiros”, e eu dentro.
Para abreviar houve uma prova para iniciação ao curso de cabo, quase que instantaneamente à incorporação, na qual fui feliz e passei dentre centenas de candidatos. Pouco mais de quarenta vagas existiam. Entusiasmado, meti a cara a estudar, e fiz a prova final praticamente sem reparos, tudo indicando que seria aprovado com boas notas. Era esperar o resultado, a expectativa era grande, estaria aberta a chance de me tornar um militar de carreira de uma instituição respeitada em todo o país.
Logo viriam as eleições para as prefeituras municipais em todo o estado, e havia o pedido de garantia às forças armadas. Fui selecionado para atuar nas funções de “cabo”, assim como outros colegas que haviam se destacado nas provas, embora ainda não se soubesse do resultado, porém ficara quase nítido que aquilo era uma espécie de aviso de que tinha sido bem sucedido. Meu destino fora à cidade de Arcoverde, porta do sertão pernambucano.
Raciocinei: Se estou indo nas funções de cabo não seria nada demais levar comigo pelo menos um capacete com as duas divisas! Foi o que fizera. Embarcamos no trem na estação de Socorro, e a distribuição das equipes era feita à medida que iam passando as cidades a serem beneficiadas. Arcoverde seria o fim da linha, boa cidade, clima excelente, justamente a terra de uma namorada que havia arranjado no distrito de Cavaleiro, que pertencia ao município de Jaboatão, hoje dos Guararapes, numa das viagens de trem, gratuitas para soldados. Mas isso é outra história.
No primeiro dia de uso do capacete não houve qualquer anomalia, quase ninguém se apercebera de que não estando com as divisas na farda não poderia tê-las na cobertura. Pensei comigo mesmo: Parece que vai dar tudo certo...
Dia seguinte interpelado pelo tenente Orlando, que comandava o pelotão, outro R-2, mas da CCP2, me pegou na esparrela e registrara a ocorrência no boletim que cantava todos os dias às 16 horas. Justifiquei, mas não aceitara. Não deu outra, eis que na quarta parte, que tratava de “justiça e disciplina”, estava lá a denúncia, sendo que não me impuseram nenhuma punição, ficando a decisão a cargo do comandante do batalhão, isso quando do retorno das tropas.
Quando o trem chegou de volta a Socorro, e para minha surpresa, recebi um grande abraço do cabo Honório, que se tornara meu amigo. E ele dissera: “Como prometido estou colocando tuas divisas de Cabo do Exército Brasileiro, instituição que representa o orgulho do país”. Confesso da minha emoção e, imediatamente, perguntei quando havia sido publicada a decisão, eis que preocupado estava com a ocorrência de que falara linhas acima.
Havia sido num boletim interno anterior ao registro da “indisciplina” que teria cometido, inadvertidamente, por impulso, pela vontade de servir e de ser militar para o resto da vida. Quando fui chamado para conversar com o Tenente-Coronel comandante do regimento prestei as justificativas necessárias, inclusive dizendo que havia sido promovido dias antes, não havendo, portando, nada a ser julgado.
O denunciante ficara todo sem graça, torcia pela punição, mas depois fiquei sabendo que o próximo jogo da CC2 seria contra a sua CPP2, e o medo da derrota estava bastante claro... Não deu outra... CC2 quatro a zero. Quatro dias de folga, um para cada gol.
 
Nota: Praticando a nova ortografia.
 
Semelhança com nomes é mera coincidência.
 
(+) – Por excesso de candidatos.
 
Ansilgus
 
ansilgus
Enviado por ansilgus em 03/03/2017
Reeditado em 07/03/2017
Código do texto: T5929397
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.