QUIXOTE

Fui da turma de formandos em letras de 1996 na Uerj, era um conflito de classes e de gêneros, havia muitas realidades unidas naquela turma, alguns excelentemente ricos, que nunca entravam nas bibliotecas, outros que não saiam delas. Enfim formamos. Tinhamos um colega em especial que chamavámos de Quixote, nunca soube quem lhe deu este apelido, mas era interessante seu jeito, ele estudava como se estivesse comendo, tamanho apetite, devorava textos, livros, escrevia páginas e páginas, mesmo em uma época que somente os abastados tinham computador individual, nós os “normais” pagávamos pelas impressões.

No dia da formatura, Quixote foi o orador, só naquele dia soube seu nome de verdade, João da Silva. Em seu discurso, ele prometeu integridade, humildade e fidelidade no exercício de seu trabalho como professor. As notas de Quixote eram máximas. Eu imaginava que suas aulas seriam excelentes.Os anos se passaram, no último dia 02 de março, professores se reuniram em frente ao palácio Guanabara para protestar pelas atrocidades cometidas contra a profissão de magistério, eu estive lá e vi quando chegou um batalhão de soldados da policia militar para dispersar os professores que entrariam em greve, foi quando em meio aos soldados eu vi Quixote, era ele mesmo, mas magro, abatido e soldado, me aproximei dele e ele não me reconheceu, apenas deu ordem para seu pelotão ficar diante dos professores e batessem continência em respeito à classe sofrida, todos os professores aplaudiram o ato, a passeata foi iniciada e, eu fiquei olhando para trás, Quixote, o melhor aluno de minha turma, agora era policial, o que teria acontecido, nunca saberei, mas fiquei emocionado, pois era o mesmo sujeito sério e objetivo.

Domus
Enviado por Domus em 03/03/2017
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