GRÁVIDA NECESSITANDO TROCAR PNEU
Naquele sábado Maria Luiza foi levar sua empregada doméstica para passar o fim de semana na casa dos pais, no interior, já que a mesma tinha ficado até mais tarde no trabalho ajudando-a na modificação que fizera no apartamento. E aos sábados, o último ônibus para aquela localidade era às 11 horas.
Ao retornar, Malu – como era conhecida, teve um pneu de seu carro furado naquela estrada de chão e distante uns mil metros da estrada principal. Malu, grávida de sete meses, nem se arriscou a ver onde estava o pneu estepe. E nem se apavorou porque tinha certeza que alguém iria lhe socorrer em poucos minutos.
Acontece que a estrada em que se encontrava era de pouco movimento de automóveis ou pessoas andando a pé. Além de quê, havia o comentário que assaltantes estavam usando mulher grávida em igual situação para roubar o automóvel dos bem intencionados na ajuda.
Após quase 30 minutos de espera e sem a sombra de uma viva alma, Malu concluiu que ela mesma deveria providenciar a troca se quisesse ir pra casa antes de escurecer.
Eis que do nada aparece um rapaz que, desconfiado, começou a olhar atentamente para a beira da estrada como se procurasse por alguém. Ao aproximar-se, Malu se sentiu aliviada e deu inicio ao diálogo.
- Moço, boa tarde, você pode trocar o pneu que furou? Veja a minha situação... E nunca me aconteceu isso.
- O que a senhora está fazendo por aqui?
- Fui levar a Jurema, minha empregada, pra casa dos pais que fica lá do outro lado do rio.
- Jurema? Conheço. É afiliada da minha mãe.
- Então você mora por aqui também?
- Sim, dois quilômetros daqui em direção à cidade, lá em cima.
- Que benção. Então? Vamos lá?
- E quanto a senhora vai me pagar?
- Olha, não devo ter muito dinheiro agora, mas faça seu preço e se faltar, mandarei sábado pela Jurema. Pode ser?
- Não!
- Não confia em mim? Nem na Jurema?
- Vou lhe fazer outra proposta.
- (Meus Deus!)
- Troco o pneu, mas senhora vai me levar até minha casa e conhecer minha mão. Ela é parteira. Quem tem menos de 30 anos por aqui, passou pelas mãos dela.
- Ah é? Que bom. Então mãos à obra. E como se chama sua mãe?
- Itálica, conhecida por dona Ica.
- (Que nome estranho)
- E o seu?
- Tião.
Ao dar entrada na propriedade, Malu se deparou com uma porteira fechada e um grosso cadeado garantia a ainda mais a segurança. Tião abriu para a passagem e novamente a fechou. Com o cadeado.
E as duas senhoras de deram muito bem, apesar de Malu olhar constantemente para seu relógio de pulso, já que o Sol dava sinal que se esconderia em breve.
- Você quer comprar uns 10 quilos de feijão, perguntou Ica.
- Olha... Temos feijão em casa e não somos de consumir muito... Que preço o quilo?
- 4 ‘cruzeiros’.
- Um pouco caro... No mercado tá 3 – 3,20.
- Mas é feijão novo e cozinha bem rápido.
- Tá bom, levo sim. Mando o dinheiro pela Jurema.
- Leve também umas duas dúzias de ovos. São frescos, recolhi ontem. Tião, pegue lá no paiol uns 8 quilos de batata doce. Ainda tem abobrinha? Traga também uns 5 quilos de mandioca. Ah, leve umas duas, três peças de queijo.
(E a porteira fechada a cadeado)
- Dona Ica, assim vai furar mais um pneu!
- Vai nada, filha. É menina, sabia? Nasce na entrada da Lua nova.
- Bom saber. E quanto deu a conta?
- Tião, carregou tudo?
(E a porteira fechada)
- Tudo importa em 140 ‘cruzeiros’. Leve esses dois ‘pão’, assei hoje pela manhã. Mas esse não vou cobrar. Tião, vá lá abrir a porteira pra dona que já tá começando a escurecer.
No sábado seguinte:
- Jurema, leve esse dinheiro e pague a dona Ica.
- Dona Malu, ela comentou com a mãe que achou a senhora um pouco nervosa, pálida. Sentiu-lhe muita pena e só vai cobrar o feijão - 40 reais.
- (Pálida? Nervosa? Mulher tem que aprendera trocar pneu... E se Jurema não tivesse falado nada a respeito da dívida perdoada?).