A importância dos catadores
Ano de mil novecentos e setenta e dois. Eu me encontrava na “Pauliceia desvairada”, em visita a familiares, quando fui seduzido por uma novidade: uma conhecida cervejaria, aquela que veicula propagada dizendo que a bebida, por ela produzida, “desce redondo”, havia acabado de lançar no mercado a cerveja em lata. Como sou dado ao desfrute de beber, vez em quando, umas talagadas do líquido da referida marca, para meter inveja aos meus amigos, comprei meia dúzia da novidade e trouxe na bagagem, quando do meu retorno à minha querida Soterópolis. Pouco tempo depois a novidade chegou aqui em Salvador, e não demorou muito para desbancar as perigosas cervejas em garrafas utilizadas nas Festas de Largo e Carnaval. Mas, a sua estreia no Reinado de Momo não foi das melhores. Os foliões após beberem o conteúdo das latinhas, jogavam-nas vazias na rua. Logo virou munição para arremesso de latas ao ar. E foi o que se viu no ano de sua estreia na grande festa baiana. O arremesso de latas tornou-se um verdadeiro fogo cruzado. Nem os trios elétricos escaparam das famigeradas latadas. A polícia pouco pôde fazer na tentativa de evitar o vandalismo coletivo dos eufóricos foliões. Nos carnavais seguintes, graças a iniciativa de pequenos e médios empresários, que descobriram o filão que representava as latinhas para a reciclagem, passaram a recrutar pessoas (os conhecidos catadores) para catar as latas jogadas na rua. Com essa iniciativa as grandes festas baianas ficaram livres da inoportuna “batalha campal”.
Os catadores, geralmente pessoas oriundas de famílias de baixa renda e em grande número, não deixam uma lata sequer no chão. Às vezes até seguem o folião e pedem a lata vazia antes dele jogar na rua. Há, também, os foliões já conscientizados da importância de se manter a cidade limpa que tomam a iniciativa de segurar a lata vazia até encontrar um catador para fazer o descarte.
Vê-se que no ciclo das grandes festas baianas, a presença dos catadores, é de suma importância, não só para manter as ruas limpas e evitar que esses recipientes de alumínio poluam o meio ambiente, mas, também, para evitar fatos lamentáveis como a “guerra das latinhas”, ocorrida no ano de sua estreia no carnaval baiano. Além do que o pagamento aos catadores - essas pessoas invisíveis para a sociedade - pelo trabalho por eles realizado funciona como uma mini distribuição de rendas, que injeta recursos (ainda que parcos) na economia local.
Ante ao exposto conscientizemo-nos, entregando a lata vazia ao catador e o respeitando como pessoa, porque ele está prestando um serviço útil à cidade.
Salvador, 03 outubro de 2015.