Memórias

1988,1989,1990,1991,1992, 1993...2017

"Enquanto houver estrada para andar

a gente vai continuar

enquanto houver estrada para andar

enquanto houver ventos e mar

a gente não vai parar

enquanto houver ventos e mar"

Num destes dias fui a uma garagem, onde armazenava todo o tipo de coisas que vou deixando de usar, mas que me falta a coragem para deitar no lixo, dizia, fui a essa garagem livrar-me dos papeis acumulados ao longo de mais de duas décadas.

Mas aquilo que era suposto ser uma limpeza acabou por se transformar numa espécie de viagem no tempo.

Entre jornais, entre apontamentos da escola, entre os meus primeiros contos, entre alguns desenhos, entre cartas descobri sensações que tive, descobri palavras que já me tinha esquecido de ter escrito e dito, descobri uma história que é minha, mas que era já tão distante que não parecia fazer parte de mim, apesar dessa história me ter moldado de ter feito de mim o homem que sou hoje.

E como descrever a emoção de ler antigas cartas de amores há muito idos, ou cartas que recebi e escrevi na tropa (guardo ainda hoje uma cópia das que escrevo) palavras de uma enorme intensidade, palavras escritas na altura em que teve lugar o que levou a escreve-las, palavras genuínas, autênticas, sem o filtro do “politicamente correcto”, e por isso são as melhores e as mais estimadas das palavras.

E no meio de tanto papeis descobrimos, de repente, como o tempo passou depressa, demasiado depressa...

Resgatam-se então as melhores dessas palavras e as outras estão condenadas ao esquecimento de um caixote de lixo, simplesmente porque é impossível, é insustentável viver com tantas palavras, com tantas memórias, com tantas sensações, quer sejam elas físicas ou mentais.

E depois?

Depois, nada de melancolia, e muito menos de saudosismo, daquele tipo que nos paralisa porque nos faz olhar demasiado para o passado e menos para o presente; no futuro ainda espero ter mais, futuro, espero ainda ter mais caixotes como este para encher...

"Enquanto houver estrada para andar

a gente vai continuar

enquanto houver estrada para andar

enquanto houver ventos e mar

a gente não vai parar

enquanto houver ventos e mar"

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 01/03/2017
Reeditado em 07/03/2017
Código do texto: T5927200
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