Fim do Carnaval
E os ponteiros do relógio apontaram para o alto. Era meia noite. Subitamente um silêncio se fez. Sem o som estridente dos dias anteriores, muitos deram as costas para o palco improvisado em meio à avenida. O gosto era de desilusão. Um vazio sem precedentes que invadiu a alma que agora era forçada a confrontar o amanhã que já era eminente.
Foi assim que ele se deu conta de que a ilusão do carnaval tinha triunfado sobre sua pequena alma. Sempre dado às questões sociais, postando mil e uma notícias no facebook, sem ao menos saber a procedência, ele se preparou para o carnaval como nunca havia feito.
Anunciava constantemente as baladas que o esperava. Fantasias compradas. Copo de bebida personalizado. Abadas de diversos blocos. Tinha gastado a grana do mês. Abriu precedente no cartão de crédito e ao retornar para a casa, naquela noite carnavalesca, sentiu o peso de suas decisões.
A folia tinha sido boa. Aliás, excelente. Pessoas sorrindo, beijando, dançando como se a vida fosse leve... espontânea. Durante os dias de folia ele nem se deu conta do mundo de fantasia em que tinha se envolvido. Foi no desligar do som que a ficha caiu. A anestesia estava acabando. Hora de voltar à realidade da vida.
No trajeto de volta uma cena lhe chamou a atenção. Na rua do antigo bar Flamboyant, aquela na direita da Igreja Matriz, que desce rumo a antiga Augusto Lara, uma luz acesa clareava a copa da árvore que se apresentava frondosa. Da janela que iluminava a escuridão da rua podia-se ver um vulto. De perfil, esboçava um sorriso maroto e encantador.
Aquela cena de paz contrastou com o vazio existencial que ocupava o coração daquele jovem homem que retornava para casa. Sem atravessar a rua, sentou-se no meio fio desconfortável, coberto pela sombra daquela árvore enigmática. Começou a contemplar o jovem homem que sorria para algo ou alguém.
Suas angústias cessaram por um instante e deu vazão a um sentimento de curiosidade. O que levava aquele homem, com as mesmas perspectivas de vida, a sorrir numa noite onde se findava um ciclo de falsa alegria?
A pergunta soava melodramática e ao mesmo tempo fora de contexto. Como saber o que se passava na cabeça daquele jovem homem? Não restava alternativa. Era preciso perguntar.
No movimento ávido de levantar e dar vazão à curiosidade, um leve barulho despertou a atenção daquele que sorria para a vida. Ele olhou para fora da janela e viu o homem que vinha em sua direção.
Aquela cena lhe era comum, afinal, o volume de pessoas que desciam e subiam aquela ladeira nos dias de carnaval era enorme. Ele não hesitou em pôr-se de pé. Debruçou no parapeito da janela e aguardou o jovem homem lhe dirigir a palavra.
Nesta hora não havia divergência entre sujeitos; não havia medo; não havia escrúpulo. Não havia um superior e outro inferior, mesmo que a altura da janela favorece um deles. Com o pé já na calçada, a pergunta foi dirigida ao homem que aguardava uma solicitação de ajuda, ou mesmo um copo de água.
___ Posso saber o que o faz sorrir, quando o que reina no meu coração é a desilusão de um tempo perdido?
Sem compreender a profundidade da questão, aquele que tinha as costas iluminadas pela luz da sala, fez-se de surdo. Deu ar de incompreensão, e o homem na calçada, tendo a face iluminada, repetiu a pergunta.
___ Queria saber o por quê do seu sorriso cândido, quando o que reina no meu coração é a tristeza deste tempo que findou?
A pergunta não era divergente da primeira, apenas expressava ainda mais a agonia daquela alma. Com calma e voz suave, como alguém que deseja consolar, da janela ele respondeu:
___ Nobre estranho, não lhe conheço para te julgar, mas acredito que você tenha caído na armadilha do carnaval. São dias de pura alegria para preencher o vazio que não se dá conta. Eu, por outro lado, nunca me esvaziei. Fico sempre aqui. Janela aberta para acolher o ar puro; livro aberto sobre as pernas; um bom vinho para acompanhar e a certeza, de que num lugar, não tão distante, alguém, em mim está a pensar.
Mais luz incidiu sobre o corpo estático sobre a calçada. Com voz trêmula e sem reação ele balbuciou:
___ E é possível viver sempre assim?
___ Não digo que sempre. Respondeu o interlocutor. Mas acredito que quando se sabe de si, não há momentos de alegria. Há sempre uma vida a ser vivida sem exaltação em excesso e nem tristeza a bajular.
O homem da calçada deu as costas para a luz. Não respondeu à provocação. Preferiu descer a ladeira da ignorância e lá embaixo, sorriu iludido ao pensar: ano que vem tem mais dias de ilusão. Era hora de pegar à direita na Augusto Lara. O longo caminho o esperava. Teria ainda tempo para pensar na sua posição.
O jovem homem da janela sentou-se na posição que estava antes. A sua face voltou-se a iluminar. Pegou o livro em suas mãos. Abriu um sorriso largo. Estava em paz.
Foi assim que ele se deu conta de que a ilusão do carnaval tinha triunfado sobre sua pequena alma. Sempre dado às questões sociais, postando mil e uma notícias no facebook, sem ao menos saber a procedência, ele se preparou para o carnaval como nunca havia feito.
Anunciava constantemente as baladas que o esperava. Fantasias compradas. Copo de bebida personalizado. Abadas de diversos blocos. Tinha gastado a grana do mês. Abriu precedente no cartão de crédito e ao retornar para a casa, naquela noite carnavalesca, sentiu o peso de suas decisões.
A folia tinha sido boa. Aliás, excelente. Pessoas sorrindo, beijando, dançando como se a vida fosse leve... espontânea. Durante os dias de folia ele nem se deu conta do mundo de fantasia em que tinha se envolvido. Foi no desligar do som que a ficha caiu. A anestesia estava acabando. Hora de voltar à realidade da vida.
No trajeto de volta uma cena lhe chamou a atenção. Na rua do antigo bar Flamboyant, aquela na direita da Igreja Matriz, que desce rumo a antiga Augusto Lara, uma luz acesa clareava a copa da árvore que se apresentava frondosa. Da janela que iluminava a escuridão da rua podia-se ver um vulto. De perfil, esboçava um sorriso maroto e encantador.
Aquela cena de paz contrastou com o vazio existencial que ocupava o coração daquele jovem homem que retornava para casa. Sem atravessar a rua, sentou-se no meio fio desconfortável, coberto pela sombra daquela árvore enigmática. Começou a contemplar o jovem homem que sorria para algo ou alguém.
Suas angústias cessaram por um instante e deu vazão a um sentimento de curiosidade. O que levava aquele homem, com as mesmas perspectivas de vida, a sorrir numa noite onde se findava um ciclo de falsa alegria?
A pergunta soava melodramática e ao mesmo tempo fora de contexto. Como saber o que se passava na cabeça daquele jovem homem? Não restava alternativa. Era preciso perguntar.
No movimento ávido de levantar e dar vazão à curiosidade, um leve barulho despertou a atenção daquele que sorria para a vida. Ele olhou para fora da janela e viu o homem que vinha em sua direção.
Aquela cena lhe era comum, afinal, o volume de pessoas que desciam e subiam aquela ladeira nos dias de carnaval era enorme. Ele não hesitou em pôr-se de pé. Debruçou no parapeito da janela e aguardou o jovem homem lhe dirigir a palavra.
Nesta hora não havia divergência entre sujeitos; não havia medo; não havia escrúpulo. Não havia um superior e outro inferior, mesmo que a altura da janela favorece um deles. Com o pé já na calçada, a pergunta foi dirigida ao homem que aguardava uma solicitação de ajuda, ou mesmo um copo de água.
___ Posso saber o que o faz sorrir, quando o que reina no meu coração é a desilusão de um tempo perdido?
Sem compreender a profundidade da questão, aquele que tinha as costas iluminadas pela luz da sala, fez-se de surdo. Deu ar de incompreensão, e o homem na calçada, tendo a face iluminada, repetiu a pergunta.
___ Queria saber o por quê do seu sorriso cândido, quando o que reina no meu coração é a tristeza deste tempo que findou?
A pergunta não era divergente da primeira, apenas expressava ainda mais a agonia daquela alma. Com calma e voz suave, como alguém que deseja consolar, da janela ele respondeu:
___ Nobre estranho, não lhe conheço para te julgar, mas acredito que você tenha caído na armadilha do carnaval. São dias de pura alegria para preencher o vazio que não se dá conta. Eu, por outro lado, nunca me esvaziei. Fico sempre aqui. Janela aberta para acolher o ar puro; livro aberto sobre as pernas; um bom vinho para acompanhar e a certeza, de que num lugar, não tão distante, alguém, em mim está a pensar.
Mais luz incidiu sobre o corpo estático sobre a calçada. Com voz trêmula e sem reação ele balbuciou:
___ E é possível viver sempre assim?
___ Não digo que sempre. Respondeu o interlocutor. Mas acredito que quando se sabe de si, não há momentos de alegria. Há sempre uma vida a ser vivida sem exaltação em excesso e nem tristeza a bajular.
O homem da calçada deu as costas para a luz. Não respondeu à provocação. Preferiu descer a ladeira da ignorância e lá embaixo, sorriu iludido ao pensar: ano que vem tem mais dias de ilusão. Era hora de pegar à direita na Augusto Lara. O longo caminho o esperava. Teria ainda tempo para pensar na sua posição.
O jovem homem da janela sentou-se na posição que estava antes. A sua face voltou-se a iluminar. Pegou o livro em suas mãos. Abriu um sorriso largo. Estava em paz.