A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR

É inegável que algumas pessoas são dotadas de uma luz, de uma faculdade especial. Têm uma força magnética muito grande, com aptidões inexplicáveis, capazes de realizar coisas surpreendentes, de efeito físico, inclusive.

Antigamente, e com grande frequência, quem se sentia arrebatado por um quebranto, por um desfalque, pela espinhela caída, por uma praga rogada, por um encosto, um feitiço e outros males do corpo e da alma, buscava, sem nenhum pudor, o auxílio infalível dos ramos das benzedeiras, dos preparados dos curadores, dos pais e mães-de-santo.

Como a medicina avança cada vez mais e a ciência está constantemente em busca de respostas para os mistérios da vida, certas crenças e certos costumes populares vêm se restringindo e se dissolvendo e, para as novas gerações, soam como coisas retrógradas ou sem fundamentos. Há que se considerar também a questão do preconceito. Muitas religiões têm uma concepção equivocada e não aprovam certas práticas por acharem que estão no campo das ações “do mal”. Alguém há de dizer que certas curas se dão tão somente pela força da fé do paciente, mas é preciso dissociar a cura pela fé da cura espiritual. Através da oração conquistamos equilíbrio emocional, autoconfiança e alento; e tudo isso fortalece e ajuda. Na cura espiritual, no entanto, a força mediúnica sobrepõe-se à fé do paciente, canalizando as energias para o bem ou para o mal. A melhor forma de explicar tudo isso é exemplificando. E para isso, nada melhor do que remexer meu bom e velho baú de relíquias memoráveis.

Pois bem. Dizem que verrugas são estrelas que a gente conta. Não me recordo de tê-las contado, mas, o fato é que, quando criança, fiquei com uma constelação nas mãos. Por conta disso, certa feita, dirigi-me em companhia de minha mãe à casa de um rezador muito conhecido na cidade e benquisto por minha familia. Lá chegando, já sentada, por alguns segundos, observei o curador e o ritual. Ele apanhou uma pedrinha qualquer, dessas que a gente acha em qualquer canto e, com uma serenidade enternecedora, uma docilidade absoluta, demonstrando uma fé profunda, começou a rezar baixinho; fungando de quando em quando, com um fanho muito peculiar na voz. Passava a pedrinha várias vezes sobre as verrugas como se estivesse cadenciando a oração. Não me lembro das palavras que ele proferiu, pois passei a maior parte do tempo absorta, contemplando uma gata cinzenta com suas mimosas crias. Finalizado o ritual, retornamos à nossa casa. A retribuição foi tão somente o muito obrigado e que Deus lhe ajude. Dois dias depois, ao acordar, enquanto lavava o rosto, notei que as mãos estavam lisas novamente, não havia uma verruga sequer! As erupções haviam sumido sem deixar marcas.

Era sempre assim. Se alguém manifestasse moleza, bocejasse constantemente, sentisse uma tristeza sem razão ou ficasse com os olhos lacrimejantes, os ramos das benzedeiras logo entravam em ação. Era preciso fazer o ritual para tirar o quebranto e se ver livre da influência do mal. A reza era sempre cercada de mistérios. Não podia ser a qualquer momento; era do raiar do sol até o fim de tarde. E aqueles poderosos ramos riscavam nossos rostos enquanto as benzedeiras, quase em transe, evocavam santos e mais santos. Alguns místicos utilizavam também o sal grosso, a água benta, rosários e outros símbolos sagrados. Os ramos de Sá Rita, de Sá Mariola e de Sá Quelé eram infalíveis. As energias negativas passavam para os galhos que, já murchos, eram jogados no meio da rua.

Certa vez, e disso me recordo como se fosse ontem, surrupiaram, sem deixar pistas, algumas ferramentas essenciais para o ofício de meu pai. Em situações desse tipo, normalmente a vítima procura a polícia, certo? Errado! Hoje o caso poderia parar nas mãos do delegado, mas, naquele tempo, a investigação ficava por conta de quem sabia responsar. E dona Baú entrava em ação. Era indefectível! Lembro-me muito bem daquele olhar esperto, profundo, de quem acumulou muitos conhecimentos na escola da vida. Era uma velhinha magrinha, de tez cafuza, fisicamente parecia frágil, mas tinha uma força espiritual gigantesca e movimentos muito ágeis para sua idade. Eu estava curiosa para saber o que significava responsar. Vi uma bacia d’ água e algumas velas acesas. A reza foi sussurrada. Num instante, descobrimos o autor do delito e o paradeiro dos objetos roubados. Naquela mesma ocasião, o poder incontestável de nossa adivinha fez com que um cão desaparecido retornasse à casa do seu dono. E com hora marcada!

Quem habitou ou habita há muitos anos as entranhas de Caetité, oásis da Bahia, por certo já ouviu a afirmação, que entre os mais velhos, já é quase um clichê: - Não vai nem com a reza de Antonio Foba!

Pois é sempre assim. Quando algo dá errado ou tem tudo para não acontecer, o nome do poderoso e imbatível mago é mencionado. Para os que foram seus contemporâneos, o velho Antonio Foba, representava, no plano terrestre, a última instância.

Felizmente, por estes sertões afora, ainda encontramos algumas dessas criaturas místicas, dotadas de grande força espiritual. São seres de luz que suprem muitas vezes a carência de médicos e curam pela natureza, pela mediunidade ou pela fé, somente para cumprir a missão de ajudar a quem precisa, e, muitas vezes, sem esperar nada em troca.

POR: Márcia Haidê

Caetité- Bahia