ENSAIANDO A VIDA
Já ouvi dizer que a vida é um ensaio – e sem volta, pelo menos para aqueles que acreditam apenas em uma vida na terra. Creio que sim, a bem da verdade. Dizem também, que é na infância que aprendemos grande parte das coisas que vamos usar nos próximos anos de nossa vida – depois, passamos a aperfeiçoá-las.
O que vivemos na infância, dizem alguns, que parece ficar para sempre em nossa memória – pelo menos para boa parte da população. Eu, particularmente, não me recordo de muita coisa, mas do que recordo tenho comigo de forma prazerosa. Tão prazerosa que costumo, na maioria das vezes, sorrir com tais lembranças.
Na infância aprendemos a brincar – e na casa de vovó Chiquinha a festa era constante. Vermelhão brilhante no chão e nós, os netos, escorregando pra lá e pra cá. E, nesse ir e vir, trago comigo uma cicatriz na testa: um acerto de minha cabeça numa das quinas da rampa de subir o carro. Minutos depois, voltava a escorregar. Ali, na infância, também conheci a dor e o prazer, a raiva e o carinho.
Foi na infância que também aprendi a fazer amigos – embora não tenha tido muitos (mamãe não me deixava sair muito de casa para ir brincar nos vizinhos). Aprendi a respeitar as diferenças que tínhamos – os poucos amigos. Aprendi, nos ensaios da vida, a criar amigos imaginários – e dos mais variados tipos, dos mais variados lugares possíveis: de perto e de longe. A leitura, incentivado por mamãe – e posteriormente pela escola, criava em mim a vontade de criar, de inventar, de ensaiar a vida, e esta em todas as dimensões.
Adolescência, um pouco assustadora, deixando de lado a leveza da criança e incorporando passo a passo as incertezas, a vida – pra mim – tomou outro tom: trabalho diurno e escola noturna. E, assim, a responsabilidade foi pesando sobre os ombros, tomando o corpo num todo. A vida ensaiando as suas cores mais fortes – e, possivelmente, mais vivas. E, além de trabalho e escola: hora de tomar decisões – um curso superior.
E em tons mais fortes ainda, a adolescência foi tomando corpo. As paixões acontecendo – a vida acontecendo, a vida continuando... As descobertas cada vez mais distantes do ninho materno. E, com as distâncias, as decepções também acontecendo – fazendo parte do amadurecimento. Aproximando da vida adulta. Aproximando de um amadurecimento maior, talvez até alcançar a provável perfeição – ou não.
Na vida adulta as histórias são outras. São histórias sem fim – ou, começam e vão se estendendo, se estendendo... Possivelmente ficarão para a eternidade. São paixões e mais paixões que, pouco a pouco, foram sendo contornadas, algumas se tornaram amores, mas – como diz o poeta Vinícius de Moraes em seu belíssimo Soneto de Felicidade – última estrofe: “(...) Eu possa me dizer do amor (que tive): / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”. E se perderam nas asas do tempo.
E nos ensaios da vida – como quero acreditar, não tem volta. São ensaios que permanecerão para sempre no livro de minha vida, livro este que recebi em branco e estou, dia a dia, registrando os ensaios sem volta que a vida me proporciona. E, a partir das reflexões, tento não errar mais se outras chances houver. PUBLICADA DIA 18/02/2017, EM JORNAL "O LIBERAL REGIONAL", CADERNO ETC, P. 02, COLUNA DO AUTOR "ESCREVER É ARTE", TODOS OS SÁBADOS...