DENTINHO DE PIVÔ
Um dia de viagem. Uma parada aqui, outra acolá. Hora de descer para esticar a coluna. Boa mesmo foi a inesquecível a parada para o almoço.
Clotilde, de baixa estatura, olhos claros, cabelos crespos, tinha saído de casa toda chique em direção a capital do seu estado, chamada popularmente Ilha do Amor. Naquela paradinha já acima do meio dia, precisava reanimar as forças com um bom almoço. Foi ai que ela se lembrou do dentinho de pivô que ficou perfeito, mas o costume em usá-lo é que é o negócio.
Ver só. Agora virou moda, todo mundo de aparelho nos dentes! Mas Clotilde, uma professora dedicado, tinha que colocar sua estética no auge. Na hora de almoçar, sentindo-se toda a vontade na mesa com os amigos e para sentir-se bem no ato da mastigação e degustação daquela comida com tempero diferente do costumado no dia a dia, resolveu torcer cuidadosamente o pivô, e retirou o dentinho e embrulhou-o num guardanapo por alguns instantes.
Seus amigos até sorriram, porém já acostumados com as travessuras de Clotilde, não deram motivos pra ninguém da mesa, ao lado, perceber que algo fabuloso acontecia ali entre eles. Comeram bem. Saciados, pediram uma coca cola ao garçom, degustaram aquele aroma negro, e depois de um bom bate papo resolveram pagar a conta. Sampaio saiu, lavou as mãos no lavatório, Júlio foi até o banheiro fazer uma boa higienização dos dentes.
Quando voltaram Clotilde já estava de pé na porta de saída. Ninguém, até aquele momento, lembrava-se do dentinho de pivô que havia ficado sobre a mesa. O garçom veio. Desfez a mesa, levando pratos, talheres. O dentinho foi junto. A sobremesa, era um doce de buriti, que não desceu muito bem!
Já alguns quilômetros rodados, em direção a Ilha, Clotilde passou a língua naquele espaço na arcada dentária superior e lembrou. E disse a Sampaio desesperadamente:
- Volta, volta, volta!
- O que foi? -kkkkkkkkkkkkkkk, sorrindo sem parar nem conseguiu dizer o que de fato tinha esquecido. Meu dentinho ficou na mesa!
Voltaram em segundos. Ela desceu do carro rapidamente, mas com tom de moça educada, sabendo ela que possivelmente não encontraria mais aquele caríssimo dentinho que custou uns quatrocentos reais, chamou o garçom com um gesto delicado e voz alterada de preocupada. Ele veio. Ela perguntou a ele onde tinha colocado os restos, do desfeito da mesa. Sobriamente disse que tinha jogado por fora da janela da cozinha, como de costume para alimentar os porcos que satisfaziam sua fome por lá. Apontando, mostrou a ela o local e Clotilde sem sair do salto que eram muito difícil deixá-los, a não ser na hora do banho, tangeu o porquinho que ainda não haveria fuçado aquele embrulho. Pegou. Olhou. Estava intacto. Saiu correndo. Esqueceu até de agradecer o moço gentil. A vergonha não deixou revelá-lo o que era assim, tão importante para ela.
No retorno ao carro, levou uma topada, quase acerta o nariz num poste em frente a porta de saída do restaurante, “Coma bem e volte sempre!”.
Seus amigos já estavam chorando de sorrir, pois cena com esta jamais teria acontecido em toda vida de amizade com Clotilde.
Seguiram viagem, no finalzinho da tarde entraram na ilha. Iam participar de um encontro de educação, vida corrida, estuda, se forma e tem que continuar em formação pra ganhar pouco. Chegaram no hotel, onde ficariam hospedados por cinco dias e depois fariam todo o trajeto de volta. E jamais encostar no restaurante “Coma bem e volte sempre!”.
O pior de todos os momentos para Clotilde não foi perder o dentinho de pivô e tanger o porquinha para não comê-lo. A desgraça de toda vida foi que no ato da escovação naquele banheiro vidrado, pia inoxidável e torneira termoelétrica, justamente no ato de higienização do dentinho de pivô, na palma da mão, escorrega, caiu na pia e adeus rosa. Clotilde sentia que aquele dentinho não iria ser eternamente seu.
Walter Berg.