Dissabor e Interpelação

Os ínterins de tristeza, desmotivação e baixa autoestima têm proveito vultoso ao ensinar-me a deparar com o que faz-me ledo em coisas exíguas. Nestes momentos efêmeros, encontrei-me muito satisfeito ao estimular meus sentidos por meio do preparo e aprecio do meu café da tarde.

Às vezes alterno entre começar pelo café preto na cafeteira elétrica ou principiar o forno elétrico para que este atinja a temperatura ideal (da qual, inclusive, tiro proveito para aquecer uma xícara com leite a nível pouco abaixo da metade), até que eu perfaça o apresto dos dois pães. Estes, aliás, são o elemento precípuo: de início, corto os mesmos à metade com a faca de ponta fina de modo a não desestruturá-los ou amassá-los ao abrí-los; em seguida, com outra faca apropriada, espalho a margarina light em ambas as bandas, para que fiquem bem úmidas e macias após o processo.

Quando disponho, salpico a cebola granulada desidratada em uma das alas dos pães e, então, assento o queijo por cima para que, quando derretido, absorva o gosto agradável e suave da cebola que estará semicozida pelos vapores internos. Do outro lado, coloco uma fatia de presunto. Enfim, embrulhados no papel alumínio para que não queimem muito rapidamente, ponho-os no forno por um período medido através do intermédio de aproximações instintivas, até que eu julgue-os crocantes o suficiente na camada externa e deliciosamente macios no núcleo.

Estando no ponto, desligo o forno elétrico e mantenho os pães lá dentro para que não percam a integridade do aspecto sápido. Enquanto isso, completo a xícara de leite com café, adiciono a quantidade necessária de açúcar que não comprometa o sabor conjunto da amargura do café e da serenidade do leite, e arranjo oito biscoitos Maria de chocolate junto aos pães recém-dourados. Sento-me, em seguida, frente a meu computador pessoal e contemplo as opiniões alheias sobre temas literários que venham a me interessar num futuro próximo, enquanto degusto o resultado dos meus dotes culinários que não passam de um “fazer com amor para si mesmo”.

Sinto-me grato, ao final, por ter a chance de apreciar brecha tão ímpar, preenchida com tantos prazeres simultâneos e, vezes ou outras, vejo-me corroído pela culpa da existência dos que não podem desfrutar do mesmo deleite devido a n motivos. Contudo, não contento-me em submeter-me a regalos por demais cavos e questiono-me: o que virá depois, a quem sou grato, se vivo na Matrix ou se um dia irei sequer desvendar os enigmas fundamentais da clarividência que suplanta a rijeza não tão sólida da teoria atômica.

Introspecto
Enviado por Introspecto em 20/02/2017
Código do texto: T5918029
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