Crônica Momesca
Estava eu pensando em como iria conciliar a pré-folia de Momo com a devolução das chaves na saída do apartamento que eu administro em sistema de aluguel por temporada e eis que recebo mais um "zap" do cliente:
- Só mais duas horas para eu curtir o bloco, por favor!
- Ok, disse eu, tratando por minha vez de aproveitar o domingo pré-Carnaval ao máximo na Praça São Salvador onde a roda de choro "chora" todos os domingos do ano, ainda mais em fevereiro. Gente animada, marchinhas tocando, fantasias coloridíssimas e muito respeito ali, coisa raríssima nas grandes capitais brasileiras. O Flamengo é um bairro peculiar e familiar, verdade seja dita...
Corta para o metrô lotado entre o Flamengo e o Leblon. Todos querem um "refrigério" no calor caprichado do Rio de Janeiro com segurança; o metrô ainda é um oásis de segurança por estas bandas sim senhor. Os seguranças do metrô não conseguem conter a massa eufórica em razão dos festejos em inúmeros blocos (ou do teor etílico daquilo que bebem), ela vem em hordas barulhentas, ensurdecendo quem passa.
Chego no Leblon na hora combinada e dou uma gentil "cobrada" no horário do check-out, mais tardio do que o desejável para um domingo em que só se quer curtir o mar e o Sol do Rio agora que o famigerado horário de verão terminou (Glória a Deus!).
Entro na neura de quem visualiza os dois risquinhos na mensagem do whatsapp, mas eles nunca ficam azuis, sinal de lida. Enfim, o cabra não leu ou não quer ler o meu recado.
- Raios, digo eu, supereducada como sempre, eu mereço esse hóspede que nem é hóspede, é um amigo do hóspede que já foi embora, mas deixou o "mala", o rescaldo.
Aguardo bebendo uma cerveja no bar ao lado do apê quando recebo outro "zap":
- Bati a porta e saí, tchau.
- O quê? Nada disso, peraí! Esborracho-me na rede virtual desejando entrar pelo telefone e torcer o pescoço dele. Cheguei a tempo de ver um vulto vestido de preto zunindo de dentro de um Uber até a portaria.
- Tô passado, deixei os dois jogos de chaves na porta e desci. Agora estamos na rua, não tem como entrar no prédio de novo nem fazer a vistoria de saída do apê, eu vou perder meu avião!
- Calminha, irmão, disse eu, enquanto olhava para aquele rapaz transtornado, alcoolizado, de minivestido preto de babadinho branco, certamente uma fantasia de arrumadeira de hotel, com direito a meias pretas de cano curto. Era quase impossível ficar com raiva dele tamanha era a vontade de rir da sua indumentária.
- Você largou tudo pra trás e eu fico como? , disse-lhe eu.
- Eu vou te ressarcir, toma aqui um dinheiro, tentava negociar o rapaz em traje hilário, mas muito nervoso. Não sei o que me deu, não sei o que fazer, dizia ele enquanto tremia dentro do vestido preto de pano ordinário.
Foi quando tive a ideia de sair interfonando para os vizinhos do prédio em busca de um anjo dominical. Um deles apareceu sem camisa, abriu o portão, reclamou que teve o jogo do Mengão interrompido, mas estava tranquilo, pois o time estava ganhando, e disse que não tinha chave nenhuma na porta do meu apê.
- Caramba, e agora? - eu coçava a cabeça e olhava para o "diarista" descabelado.
- Tu não sai daí não, vamos subir comigo para esclarecer essa história de chave. O folião diarista obedeceu e subimos.
Os olhinhos do rapaz de não mais de vinte e cinco anos brilharam mais do que mil estrelas enquanto gritava:
- Estão aqui todas as duas no chão bem na porta, eu não disse? Mil perdões, moça!
- E lá isso é lugar de botar chaves, rapaz? Ok, amigo, Deus protegeu a nós dois e teve happy end, mas, por favor, vê se bebe menos no Carnaval, hoje foi só o treino, o "esquenta". Despachei o folião desastrado para casa e entrei no apê. Tudo revirado, mas ainda bem que não teria que ser arrombado pelo chaveiro como imaginei, as chaves estupidamente esquecidas estavam ali na soleira da porta.
Dizem os antigos que devemos extrair um ensinamento de tudo que acontece. E se for obra de um doido, como tirar conclusões? Prometo que vou pensar num modo de evitar esse tipo de contratempo, mas, por enquanto, segue o baile, o baile de Momo!