A CLIENTELA DA CAPELINHA (capítulo inédito do romance A SAGA DE ZÉ BEATO)
A CLIENTELA DA CAPELINHA
Tinha o delegado de nome italiano, que só tempos mais tarde descobriu-se que não era delegado coisa nenhuma, isso depois de os fiscais do Banco do Dinheiro S/A, vasculharem meio mundo atrás dele – do Moju ao Pacajás -, na tentativa de recuperarem pelo menos o Fiat 147, financiado cem por cento, sem avalista. Besteira. Encantou-se no mundo, tal qual a botija de ouro doada ao Zé Beato, porteiro de puteiro, pela alma penada que tinha voz de coronel. Tinha o engenheiro civil da obra que futuramente seria deputado e senador da república que entraria com destaque na História do Brasil como um dos primeiros figurões do país a ser preso em flagrante por corrupção e também tinha a galera formada pelos bancários que, duas vezes por semana, - quarta e sexta, - saíam para jogar futebol-de-salão na AABD – Associação Atlética do Banco do Dinheiro S/A – e depois iam jogar dominó e porrinha valendo cerveja e, já no adiantado da hora, toda a galera ia assinar o ponto no bordel chamado Capelinha. Todos, salvo honrosas exceções. Mas não pense você que esses gatos pingados que compunham essas honrosas exceções não acompanhavam a cambada na farra porque eram tão sérios, não! Nããão!!! O problema era outro. O problema é que as patroas eram brabas demais. Tipo cobra de oco, sabe!? Eis aí então a razão porque essas honrosas exceções depois do jogo de dominó e porrinha valendo cerveja recolhiam-se às suas casas para cumprir seus juramentos que fizeram perante ao padre e também ao juiz de paz.
Até os viadinhos iam também, só mesmo para ficar de viadagem. Pombinha que o diga!
Mas também o fato de sr ir à Capelinha de vez em quando seria algum demérito? Denegriria a imagem do camarada assim? Nem tanto. Há tanta gente que nunca entrou num puteiro na vida e vive a cometer crimes horríveis! É, ou não é?
Época houve na história do Brasil varonil onde os grandes negócios eram fechados justamente às mesas dos bordéis. Quem não lembra dos personagens do Jorge Amado. Os coronéis com seus chapelões e charuto tipo Havana? Sim senhor.
Só que na Capelinha ninguém ia lá para fechar negócio, não!” Muito pelo contrário. Os cabras iam lá mas era para abrir negócios; abrir pernas, etecétera e tal. Bebia-se muita cerveja long-neck – caríssimas, - dançava-se breack e outras danças. Falava-se aos gritos sobre futebol. Sexta-feira era o mais animado pois podia-se levar o expediente até mais tarde porque aos sábados não se trabalhava. Não tenha horário estabelecido para fechar a capelinha. O talão de cheques do camarada era que ditava as regras do tempo.
Eita Capelinha que tinha estórias. Nossa! Mas, justiça seja feita, o ambiente ali8 era muito sossegado. Podia se brincar à vontade. O sujeito podia ficar tranquilo que nada acontecia de bagunça. Logo existia um tipo de seleção da clientela.; primeiro pelo preço bem salgado e em segundo lugar, o cidadão para frequentar lá tinha que ser levado por algum cliente. O negócio lá era organizado, sim se nhor. Tinha bagunça não. E também tinha o leão-de-chácara que conhecia, praticamente, todo o mundo. Se aparecesse alguém fora do padrão ele tinha as manhas de descobrir quem era e, se fosse o caso, expurgá-lo de lá. Em suma, tratava-se de um ambiente bem tranquilo. Barraco mesmo só uma vez quando foi lá a Morena, vice-primeira-dama do Banco do Dinheiro S/A e tirou na marra o marido dos braços de uma elegante quenga. Naquele dia foi de lascar.
De uma forma geral, as mulheres dos bancários do Banco do Dinheiro S/A faziam vista grossa quando seus queridos maridos aprontavam. A maioria não trabalhava fora, levando vida de madame, com direito à casa, comida, conta conjunta de cheque especial, cartão de crédito, conta-corrente na loja chique Paraíso das Originalidades, da Dona Alaíde, carro à porta, empregada doméstica, essas coisas. Isso, sem contar a parte social: clubes, piscinas, viagens, festas, churrascada, etc, etc. Então a maioria delas preferia fazer vistas grossas em relação às possíveis e previsíveis presepadas dos maridões. Só que nem todas pensavam assim. Tinham umas metidas a cantar de galo.
Foi aí que a Morena, esposa do Letinho – hoje viúva, - desconfiou que o seu amado marido estava jogando dominó e porrinha até muito tarde no clube. Nesse dia ele tinha ido de carona pra AABD. Aí deu onze horas, meia noite, uma hora da manhã e nada de Netinho chegar em casa. Soprando fumaça pelas ventas a hoje viúva Morena que veio lá das bandas do Rio Grande do Norte não contou até três. Pegou o carro e se mandou pra AABD pra buscar o seu marido.
Aquela hora, quase duas da manhã, só tinham quatro tontos jogando dominó valendo cerveja no Clube. Aí a mulher que hoje é viúva e que se achava muito metida a braba chegou na AABD e foi logo pra cima dos cabras que estavam jogando dominó, valendo cerveja e foi já descascando;
- Cadê o meu marido?
O Biquinho, o mais gaiato dos quatro, foi logo dizendo:
- Ora, dona Lorena, você que é a mulher dele não sabe aonde ele anda a esta hora da madrugada, imagine nós, coitados! Como é que vamos saber?
Foi a vez do Degradê entregar:
- Ô, dona Morena, seu marido saiu daqui já faz umas três horas. Pegou carona com o Palmeiras. O Palmeiras eu sei, com certeza, que foi pra Capelinha, agora o seu marido eu não tenho a menor ideia de onde se meteu. - E todos riram. A mulher que se achava a dona da cocada preta e que hoje é viúva deu um muxoxo e saiu, puta da vida, cantando pneus no seu corcelzão II marron, resmungando.
- É hoje que eu pego esse filho de uma égua safado.
E pegou.
O Palmeiras estava batendo papo na porta da boate com o porteiro que substituiu o Zé Beato, aquele que ganhara uma botija de ouro há bem pouco tempo de uma alma penada que tinha voz de coronel antigo.
De repente, que nem um raio entrou na rampa do estacionamento uma corcel II dirigido por uma mulher. Só houve tempo do Palmeiras, que dera carona ao Letinho, falar – Ai, ai, ai...
De maneira pedante e mal-humorada a chofer do corcel II marron dirigiu-se para o Palmeiras e perguntou:
- Cadê o meu marido, seu Palmeiras? O senhor agora deu pra trabalhando de cafetão, foi?
Calmamente e de forma irônica e só pra sacanear, respondeu o Palmeiras, motorista provisório do chefe Letinho:
- Tá acolá..ó... Dançando com aquela loura gostosona. Tá namorando, como você bem pode ver. Aliás, tá quase noivo. Veja!!! Aí a mulher parece que ficou cega. Virou o zezeu – disse apontando para dentro do bordel que àquela hora encontrava-se no auge do seu ritual quenguístico.
Aí de repente só se ouviu foi a zoada. Era puta correndo pra todo lado, outras escorregando do salto, outras gritando...enfim, aquela confusão, só que em nenhum momento a música de Reginaldo Rossi para de tocar na radiola. Por conta da música alta a Morena era obrigada a berras a todos os pulmões.
- Vou botar fogo nesta zona. Vocês vão ver, bando de putas safadas – e saiu ameaçando todo mundo como quem estivesse com o diabo no couro, arrastando o maridão que apenas pedia calma.
- Calma, meu bem, eu explico. Eu explico, calma!
Explicar o que, meu Deus! Tem situação que a melhor coisa do mundo ainda é ficar calado. De bico fechado, pois quanto mais se fala, mais o caldo entorna. É assim!
A dona Morena representava, com muita propriedade, a figura da madama, descrita ainda há pouco. E o mais engraçado é que nos dias que se seguiram ao flagra que deu lá na Capelinha, ela virava a cara quando via o coitado do Palmeiras, seu vizinho. O pobre do Palmeiras apenas tinha atendido a um pedido do marido dela, lhe levando até o alto meretrício. Letinho, que faleceu de problemas cardíacos, sempre se dizia fascinado por cabaré. Segundo ele, o bom mesmo era a sacanagem que reinava naquele tipo de ambiente. É mais ou menos a história do urubu do Ver-O-Peso. Quem não conhece a história é só procurar no Google, que com certeza, vai encontrar.
Só pra se vingar, a mulher do Letinho, não satisfeita, naquela hora da matina, passou a mão no telefone e foi acordar a mulher do Palmeiras para fazer o maior fuxico da vida, dizendo que ele estava putanhando na Capelinha, bebendo e dançando com as putas, na maior sacanagem. Vê se pode. Fez o maior inferno da vida. Fela-da-puta mentirosa!
A confusão no bordel se deu tão rápido que nem a turma do Dinheiro S/A que estava reunida numa mesa grande, ao ar livre, no reservado da boate, sequer percebeu o que se passara. Os camaradas só vieram a saber da história, depois, por boca de terceiros. Como é que pode passar batido assim! Também estava todo mundo pra lá de Bagdá. Há mais de três horas que enchiam a cara por conta da conquista de um torneiozinho inter-bancos. Estavam lá naquela madrugada: Zé Freroz, o Lipão, Zé Grande, O Bigode, Darcy, Aurindo, Djavan, o Coronele, o Maximínio e o Vivi. Também está lá com a turma do Banco do Dinheiro S/A, o Safadeza, fiscal de rendas.
As meninas, aproveitaram a novidade para passarem, cada um a seu modo, o teor do acontecido. Uma delas chegou a garantir que a mulher do Letinho tinha entrado na boate com uma pistola sete meia cinco na mão. Já outra rapariga assegurava que o Netinho tinha saída debaixo de tabefe, igual a polícia faz com vagabundo. Quanta criatividade! O certo que essa história, durante muito tempo, rendeu muita estória, pelos cantos de cochichos do Banco do Dinheiro S/A.