Folhetim: A Vingança da Beta - VIII

No outro dia, Beta foi ao Correio botar mais uma carta. Era quase meio-dia, Geraldinho já estava de saída. De repente choveu, uma chuva de verão, mas demorada; depois de de uma meia hora de chuva forte ela diminuiu, mas não passava. Nisso Beta lembrou-se - ou inventou - que tinha deixado comida no fogo, tinha que voltar imediatamente para casa e iria se molhar todinha. Geraldinho, cavalheiro, ofereceu-lhe o seu guarda-chuva. Ela não aceitou, argumentando:

- isso é cobrir um santo e descobrir outro, Geraldo, meu querido, e eu estou bem lembrada que você toda vez que leva pingo de chuva tem asma. Mas já que vocé vai para aquelas bandas e tem que passar pela casa da minha mãe, se for possível a gente pode ir juntos, repartindo o guarda-chuva.

Geraldinho ainda pensou em não aceitar a sugestão, sabia que ela estava fazendo aquilo de propósito para fazer raiva a Durval. Mas o perfume dela, a sua voz touca e sensual, poder andar com ela na chuva, seria o mãximo, grande admirador do cinema, lembrou-se do filme "Cantando na Chuva", e fantasiou ser Gene Kelly e ela Debbie Reinolds, ou seria Cid Charisse mulata? Não contaria essa fantasia a ninguém. Não, não podia deixar de atendê-la, ainda mais porque Durval merecia mesmo uma grande lição. E sairam na chuva, debaixo do guarda-chuva, pulando poças d'água, ela ria, ele sonhava, na sua fantasia eram mesmo Gene Kelly e Debbie Reinolds; apenas uma dúvida perpassou sua mente: ela não seria mais parecida com uma Cid Charisse mulata?

Quando passaram na calçada do sinuca de Seu Osmundo, um malando fuleiro que fazia ponto ali, vendo os dois juntonhos, chamou os outros habituês do sinuca, mostrou o casal, piscou um olho para eles e disparou venenoso:

- Será que vão pra igreja rezar?

Quando Durval chegou de tarde ao sinuca, foi jogar com um mecânico que era um dos seus fregueses habituais. Exímio jogador de sinuca, Durval dava 40 pontos de vantagem ao adversàrio e quase nunca perdia. Aliás, às vezes por uma questão de tática deixava o mecânico ganhar algumas partidas, mas como o jogo era apostado ele sempre terminava ganhando uns trocados. Seguia à risca um ensinamento de Seu Dino: ninguém devia ganhar demais, senão perdia o freguês. Mas nessa fase azarada ele não estava conseguindo vencer com facilidade. Nesse dia quando já tinham jogado quatro partidas, ele ganhara duas e o adversário duas, jogaram a última, a negra, com somente as bolas cinco, seis e sete na mesa, o mecânico tinha 29 pontos na frente de Durval. Este teria que dar o "golpe dos 31". A cinco ficou de reta, ele encestou e também a seis, ela saiu, ele encestou-a novamente, e a sete ficou de reta, ele encestou, ela saiu e ficou novamente de reta, até aí tinha feito 24 pontos, a frente do adversário era de cinco pontos, era só botar a sete e ganharia a "negra". A bola era fácil demais, o mecãnico já entregara os pontos e encostara o taco na parede. Durval satisfeito passou giz no taco e fez pontaria, aí o peru fuleiro disse, antes dele impulsionar o taco na bola branca para encestar a preta, a sete:

- vocês viram o sonso do Geraldinho do Correio? Ele hoje na hora da chuva, passou aqui na frente do sinuca com uma morena arretada, dessas de fechar o comércio, a dona tava mais enfeitada que uma lapinha, os dois riam pra danar, eu não sei de quem, na certa iam rezar. Iam tão juntonhos debaixo do guarda-chuva que não passava nem mosquito.

Durval ouviu a insinuação e não conseguiu disparar a tacada, respirou fundo, não devia ser mentira, pensou: até os perus do sinuca estão rindo de mim. Ofegante, sentiu as mãos trêmulas, mas não passaria aquela bola, estava de reta, fez a tacada e para espanto geral a pretinha bicou, ficou na boquinha da caçapa, até com um sopro cairia. O mecãnico pegou o taco e encestou a bola ganhando a "negra". O peru soltou uma gargalhada. Durval não teve dúvida: quebrou o taco na cabeça dele que depois levaria vários pontos. Ainda sangrando, o peru ouviu a seguinte advertência de Seu Osmundo, o dono do sinuca:

- Se você der parte de Durval, seu safado, nunca mais bota os pés no meu sinuca.

Continua

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 17/02/2017
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