O CAVALO E O POTRO
Submisso a imperioso praxe, dias atrás consultei o urologista. Talvez por isso, amanhecesse hoje detido “nas minhas coisas”, apalpando e pensando no que os cientistas chamam de epidídimo, que imagino ser um salão de espera apinhado de espermatozoides impacientes, enfileirados em enovelados dutos, bem aqui dentro do meu testículo. Por tubinhos microscópicos passam os componentes da semente da vida, formando-os para desembocarem nesse epidídimo, cuja função é dar-lhes boas-vindas e pedir que aguardem o "toque da campainha”, para que possam sair. A paciência necessária para viver se faz presente já nesse percurso engarrafado. É a primeira prova de paciência de uma vida inteira. Esperar a vez. Esperar a oportunidade, esperar o ônibus...o sono...o sonho...esperar...esperar...sabendo que entre milhões, só um ou dois irão alcançar o prosseguimento da vida.
Disse-me o médico que esse novelo, desembaraçado, daria um carretel de linha de soltar pipa...
Nessa altura o meu pensamento repousou em uma história ouvida há muito tempo.
Diz ela que em um prado vivia uma tropa de cavalos, num tempo em que o sol ardido a tudo tostava. No prado, antes belo e viçoso, ressaíam carcaças de animais, mortos pela fome e pela sede. Resistiram apenas um velho cavalo e um potro.
Certa manhã, com os olhos embaçados pela poeira levantada da sequidão, o cavalo disse ao potro:
- Se ficarmos aqui, morreremos, como os nossos irmãos. Tenho poucas forças, mas com elas tentarei encontrar algum lugar melhor. Você me acompanha?
O potro assentiu com a cabeça e partiram. Andaram muito até chegarem a uma bifurcação da estrada, onde havia a sombra rala de uma árvore desfolhada e uma placa dizendo:
“AQUI VOCÊ DECIDE O FUTURO.
POR UM LADO ENCONTRARÁ
ESTRADA BOA, RELVA VERDEJANTE
E MANANCIAIS DE ÁGUA FRESCA.
PELO OUTRO, ESTRADA PERIGOSA,
COM PRECIPÍCIOS E ARMADILHAS”.
Ainda liam, quando o potro quebrou o silêncio:
- E agora?
O cavalo respondeu:
- Vamos nos separar. Vou pela direita e você pela esquerda. Boa sorte!
Incontinente, o potro em ágil trote desapareceu na poeira. O cavalo porém, deitou-se sob a pequena sombra da árvore em agonia e esperou. Passados dois dias, surge o potro de volta, manquejando, bastante ferido.
- Ué, você não foi?
Ao que o cavalo respondeu:
- Estou velho e cansado. Sabia que se pegasse o caminho da direita e fosse ele o errado, não teria forças para voltar. Morreria lá. Sabia também que se o caminho da esquerda fosse o errado, você, por ser novo, teria energia para voltar e retomar o caminho certo. Então resolvi poupar as minhas poucas forças e esperar. Se você não voltasse, seguiria o seu caminho. Como você voltou, o caminho certo é o da direita, disse eufórico: Vamos, lá, amigo, para o paraíso!...
Haverá sempre um tempo de espera entre a decisão tomada e a sua execução. Uma paciência que transforma a canícula inóspita do deserto de hoje, em verdes pastos, árvores frondosas e correntes de águas cristalinas, amanhã.