Guilhermimos...

Após um lustro completo em Varsóvia, chegamos a Ottawa em julho - e muito a gosto, no já distante ano de 1985 - para assumir o novo posto na Embaixada do Brasil no Canadá. Outra fria. Mas só em termos climáticos. E a única certeza então é que podíamos manter inalterada a provisão de agasalhos.

Mas essa perspectiva sombria foi logo dissipada pela agradabilidade da cidade e pela atmosfera acolhedora na Embaixada, onde o quadro diplomático era ampliado e, embora todos amistosos, lá pontificava a figura aglutinadora do Conselheiro Guilherme Arroio.

Nosso convívio foi breve, no entanto, eu apenas iniciava minha missão prevista para três anos e ele já se encaminhava para o término de seu ciclo, que seria seguido de retorno ao Brasil para assumir uma função de chefia em unidade do Itamaraty.

E malgrado a brevidade, quanto ensinamento hauri desse nosso contato, sobretudo no aspecto humano, por vezes - e fezes - falto no seio das instituições que, circunstancialmente nos conglomeram, e nos separam.

Dos convites insistentes para juntar-me ao vôlei e ao futebol, somente a uma sessão compareci. E assim já ao apagar da luzes, na prorrogação, enquanto Guilherme suava em bicas em meio à entusiástica roda de colegas de trabalho, amigos de outras Embaixadas latino-americanas e algum outro circunstante de ocasião.

No aspecto mais pragmático da vida canadense, Guilherme nos doutrinava desde sobre o percentual máximo dos rendimentos a ser comprometido com o aluguel da residência, quanto ao de lhe dar uma mão na formação de seus três filhos adolescentes, deles podendo dispor como eventuais baby-sitters de nossa filha Jolie, de quatro anos então. Demais, Guilherme empenhava-se a fundo em melhorias para a coletividade na discussão de planos de saúde e dentários, bem como na condução e aconselhamento nos trabalhos da Embaixada.

E foi numa celebração de Natal ou Ano Novo de 85 que fui introduzido à minha instantânea paixão pelo egg-nog, que, vim a saber - e sabor - que nada mais era do que nossa gemada. Só que melhorada e bem embalada. Pena que lá nos setentriões, por força do hábito das comemorações, o egg-nog tenha vida efêmera, à semelhança do bacalhau quaresmal entre nós...

Da derradeira em que estivemos juntos, ainda em Ottawa, cuidávamos dos preparativos para a apresentação de credenciais de um novo Embaixador que ia assumir o Posto, depois de quase um setenanto no Cairo, Marcos Coimbra, homem bom e sábio, curvelano de origem, tal como meu avô paterno, o seleiro Velusiano.

E a cerimônia da apresentação de credenciais, à então Governadora-Geral, Jeanne Sauvé, Chefe de Estado, na capital canadense seguia rigoroso protocolo: requeria uso do fraque, cujo custo de aquisição orçava-se em centenas e centenas de dólares.

Mas foi na opção de aluguel que Guilherme e eu encontramos saída, ao preço de 80 dólares canadenses por cabeça. Ainda me lembra como hoje a frase guilhermina, que definia o homem, o colega, e o pai:

- Veja só, Paulo: eu me negando a dar um vestido de 50 paus à minha filha Ana, e aqui, inutilmente, por uma meia jornada, gastando toda essa grana...

Assenti, num gesto de cabeça. O vestidinho que Jolie demandaria só pra sua Barbie seria...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/02/2017
Código do texto: T5914303
Classificação de conteúdo: seguro