Assim ou ...nem tanto 80
O “Café”
Vejo tudo deste canto. Gosto das mesas mais distantes, das que estão quase ocultas pelas sombras. O barulho é ao centro, sob a intensa luz dos focos sempre acesos mesmo quando o sol se vê a definir tudo lá fora. O gato deitado no muro só tem as patas dianteiras fora do toldo vermelho. Garante assim a temperatura ideal para o sono. Faz calor. Se eu fosse o dono do Bar talvez organizasse as coisas de modo diferente, talvez, o balcão fosse naquele outro ângulo do salão. Entram mãe e filha. Falam alto. É uma conversa vazia que, a ouvidos menos atentos, parece ser briga. Se pudesse mandaria calar as duas, atava-as pelas roupas uma à outra, punha-as a pão e silêncio até se tornar nítido que só queriam café e torradas e não desestabilizar as hostes que vinham para os rituais do lugar. Vejo as bolas do bilhar luzirem cores e velocidades, toques certeiros, desaparições. Os rapazes mais habilidosos compõem um ar falsamente humilde e tornam a esfregar giz na ponta dos tacos. Ninguém fala. Olham, felinos, os alinhamentos, ensaiam a tacada, ferem o opositor com o jogo, conquistam a cerveja e bebem-na como se lhes soubesse mal. Faz parte do estar, do estilo, da justiça de ser campeão na roda de poucos. Reparo agora que há gente nova a lamber-se entre palavras incompletas e suspiros. Faltaram à aula e estão escondidos ali onde ninguém suspeita. – Uma bica, pediu o namorado. – Um copo com água da torneira para mim, disse a moça. E senti que se riam com os olhos. O dono arrasta-se para levar para longe o comentário desagradável. E no regresso, rosna para o Jacinto que espera o bagaço há muito tempo: só tenho duas mãos. É a seguir. E, a seguir, as horas passam, iguais, mornas, cansadas.