AS ROSAS DE TIA LUIZA


15/10/2011

Retorno de minha caminhada.A tarde de domingo,chuvosa e vadia,encerra um toque nostálgico de alguma coisa já vivida num tempo distante.
Cruzo o pontilhão.
Os pingos miúdos desenham arabescos na parte mais calma das águas e a correnteza , cantarolando, os dissipa.
Paro instintivamente,junto-me aos arabescos e cruzo a ponte.Rompo as barreiras da lembrança e acabo chegando àquela casinha tosca,sem pintura,ladeada de gerânios.
Um ruído choroso vem da parte dos fundos e o pequeno riacho que a circunda,é desenhado por inteiro dos mesmos arabescos que agora vejo.Num lajeado de pedras rolam águas em espuma branca ,impulsionando o adulado lamento do monjolo canjicando milho.
Avisto-lhe pela primeira vez.
Morena,alta e esguia, os cambitos finos mergulhados na correnteza.
Na cintura o gingado de uma espécie de dança à cada boleada na peneira onde grãos dourados de milho espalham no ar a finíssima transparência de suas cascas.
A alvura do lenço na cabeça, agita-se ao vento feito pomba em revoada.Confunde-se à textura,igualmente branca,que escorre por entre as pedras. Arde em chamas a fornalha de barro.O cheiro de farinha torrada ocupa todos os espaços, provoca,estimula o apetite.
Deixando seus afazeres de lado,
abre-nos um sorriso,acolhe-nos entre as paredes escuras de seu casebre.Sem demora,odores de mate e café,ajuntam-se . Cuia e canecas de ágata espalhadas pela mesa,selam um encontro amistoso.Mal poderia imaginar que alguns anos mais tarde,já bem velhinha,ela viria morar conosco.O monjolo do tempo martelava agora tão sòmente lembranças presas sob a nevasca de cabelos ,tão alvos quanto a cascata que tecia rendas nas águas daquela tarde distante.
Suas mãos trêmulas inquietavam-se quando ociosas,então o caminho do lenheiro ,em nosso quintal,foi aos poucos ganhando o seu toque de cores e cheiros.Um tapete de alecrins fora desenhado para amortecer o tombo das rosas que ofereciam-se em tôda a sua extensão.A vassoura de cidró cheiroso rodopiava naquêle passadouro e a velhinha ,orgulhosa de seus feitos, divagava entre as rosas de maio,as rosas negras,as rosas de Lourdes...E tantas outras para as quais havia sempre uma denominação.
Quando as soledades batiam-lhes à porta,sentada num banquinho tripé, com o rosto entre as mãos punha-se a ruminar os "sóis "de seus melhores dias.
Aquela casa,no plano material, não mais existe ; tão pouco as rosas no caminho do lenheiro.
O machado que feria bracatingas recosta-se num canto empoeirado do galpão. Ausências de braços para empunha-lo e floradas amarelas a perfumar-lhe a lâmina,entorpecem-o no sono dos embrutecidos.Mas... Há momentos tão grandiosamente ternos e bons, que eternizam-se em suas singelesas.Assim,tia Luiza,se o tempo passou e feneceram as rosas de então...
Prevalece a certeza de que brotam ainda lenheiros pelos caminhos do coração.

Joel Gomes Teixeira