A tarde está chorando por você

Ainda hoje algumas pessoas, até amigos, dizem que sou radical. Não nego que sou arengueiro, e também meio dinossauro porque ainda acredito no socialismo.

Mas comparado ao que era nos anos 60, hoje sou um doce. Vejam bem, quando assumi meu emprego no Banco do Nordeste, em Pesqueira, logo depois do golpe de 64 , eu era mesmo xiita. Para me refugiar das pessoas que excitadas defendiam a "Revolução", eu lia muito e ouvia num radinho de pilha de capa de couro mitsubish a Rádio Central de Moscou, a Rádio Havana e a BBC de Londres nas emissões em português. Era minha diversão. E depois passei a detestar a Jovem Guarda, a alienação religiosa, a elite do lugar, enfim, vivia à margem, acuado, feito um bicho do mato. Tudo bem que detestasse as horríveis músicas de Don e Ravel, os menestréis da ditadura, mas a Jovem Guarda tinha gente talentosa que não tinha nada a ver com a ditadura, cantavam o amor. Mas no xiitismo achava aquilo colaboração com os militares.

Mas tinha algo ainda mais ridículo: depois do almoço eu ligava o ratinho num programa chamado Postais Sonoros. Aí quzndo tocava uma música que achava do esquema militar, desligava o radinho. Uma das músicas que odiava era cantada por Antonio Marcos, um bom cantor de voz melodiosa, a música tinha um verso que dizia: "A tarde está chorando por você". Eu ficava puto. Ora, o que é que tinha o sujeito falar que a tarde estava chorando? O interessante é que quando ouço hoje essa música eu rio muito do meu xiitismo.

Tem mais, no começo eu não gostava dos Beatles e nem de Roberto Carlos, só tempos depois foi que caí na real.

Era mesmo um xiita do beição, ficou hoje só o beição. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 12/02/2017
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