Metamorfose

A vida é cheia de metamorfoses lentas, doces, repentinas, inimagináveis. É quando o coração, tão acostumado com o viver diário e repetitivo, desdobra-se em sonhos distantes daquilo que somos ou pensamos ser. Ele, antes de todo o corpo, acredita. Antes mesmo de se configurarem as primeiras mudanças visíveis, as batidas aceleram-se, repletas de tudo aquilo que, de tão bonito, permanecia escondido. E, aos poucos, mudamos. Mudamos de hábitos, de vida, de amigos. Mudamos a casa que chamamos de nossa, mudamos os conselhos, os abraços, os sorrisos e seus endereços. Mudamos nós mesmos. Ora, era a hora. Aquela roupa antiga já não nos servia mais, e, com ela, foram as certezas de que seríamos um só. Junto com o novo guarda-roupa, ressurgimos. Nos encantamos. E sorrimos. Ah! Como sorrimos.

E eis a magia da vida, a beleza de se reconstruir nos tropeços e nas esquinas, de sobreviver a nós enquanto criamos quem somos. A beleza de se entreolhar no espelho, com a doçura da criança arrependida, e saber que, de repente, não mais que repente, o reflexo tornou-se novo: nunca antes visto por nenhum dos seus amigos, velho conhecido dos livros, dos sonhos, dos delírios. E tornamo-nos quem queríamos ser com a maturidade de quem um dia fomos. Estamos novos, altivos, felizes. Afinal, o que é a felicidade se não a surpresa? Nos surpreenderíamos muitas e muitas outras vezes, quando, depois de mais goles de vida, decidirmos por mais mais metamorfoses lentas, doces, repentinas, inimagináveis. Por mais uma mudança. Por mais um "eu" que há de nascer em frente a esse espelho, caleidoscópio e, me perdoem os escritores, de nada hermético.