Braga e Aurélio

Neste final de sábado chato porque não tive direito a degustar uma feijoada e nem tomar umas caninhas e umas cervejinhas, limitado a ficar ouvindo as notícias num radiano de pilha, quase todas sobre os problemas de segurança no Espírito Santo, muito discurso e pouca ação, de repente concluí que sou absolutamente moral no tocante àquele estado. Dele só sei mesmo, pasmem, que na cidade de Cachoeiro do Itapemerim nasceram Roberto Carlos, Raul Sampaio, Nara Leão e Rubem Braga. Este último, para mim, um dos melhores escritores do país e que, curiosamente, só escreveu crônicas.

Assim, em meio a tristeza pira estar estar excluído da feijoada do sábado e das bebidinhas e cheio desse noticiãrio chato e triste, resolvi reler algumas das crõnicas de Braga e me deparei com uma que acho muito divertida, "Mestre Aurélio entre as palavras", que transcrevo:

"Ora, resolvi enriquecer o meu vocabulário e adquiri o livro 'Enriqueça o seu Vocabulário' que o sábio Professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira fez, reunindo o material usado em sua página de Seleções.

"Afinal de contas nós, da imprensa, vivemos de palavras; elas são nossa matéria-prima e nossa ferramenta; pode até acontecer (pensei eu) que, usando muitas palavras novas e bonitas em minhas crônicas, elas sejam mais bem pagas.

"Confesso que não li o livro em ordem alfabética; fui catando aqui e ali o que achava mais bonito e tomando nota. Aprendi, por exemplo, que a calandra grinfa ou tríssa, o pato gracita, o cisne arensa, o camelo blatera, a raposa regouga, o pavão pupila, a rola turturina e a cegonha glotera.

"Tive algumas desilusões, confesso; sempre pensei que trintanário fosse um sujeito muito importante, talvez até da corte papal, e mestre Aurélio afirma que é apenas o criado que vai ao lado do cocheiro na boléia do carro, e que abre a portinhola, faz recados, etc. Enfim, o que nós tempos modernos, em Pernambuco, se chama 'calunga de caminhão'. E sicofanta, que eu julgava um alto sacerdote, é apenas um velhaco, cuidado, portanto, com os trintanários sicofantas!

"Aprendi, ainda, que Anchieta era um mistagogo e não um arúspice, que os pelos de dentro do nariz são vibrissas, e que diuturno não é o contrário de noturno nem o mesmo que diário ou diurno, é o que dura ou vive muito.

"Latíbulo, gigajoga, julavento, gândara, drogomano, algeroz... Tudo são palavras excelentes que alguns dos meus leitores talvez nao conheçam, e cujo sentido eu poderia lhes explicar, agora que li o livro; mas vejo que assim acabo roubando a freguesia de mestre Aurélio, que poderia revidar com zagalotes, ablegando-me de sua estima e e bolçando-me contimelias pela minha alicantina de insipiente.

"Até outro dia minhas flores".

Uma crônica supimpa. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 11/02/2017
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