Assim ou ...nem tanto 79
O Soba
Depois que todos se foram e a fogueira era quase só um monte de cinzas quentes, o velho ergueu-se, abriu os braços magros de onde pendia o casaco esfarrapado, disse palavras fora do entendimento e a metamorfose começou. A cabeça gerou o bico que nunca se viu mas se soube amarelo, alongou o pescoço para acomodar as penas negras, revestiu-se de sombras e ficou, como era de esperar, um pássaro negro e enorme, melro gigante seria, corvo, gavião, condor, um anjo de Satã? E voou. Ia com ele pelo pensamento e pelos olhos da ave via o mundo encolhido, o mar profundo da cor do mistério, o deserto, o céu fechado de brumas, a porta férrea do lugar onde pousámos. Estávamos novos, eu e o velho. Éramos ainda aves negras mas só em raros momentos de luz rasante nos sabíamos no antigo corpo, no velho pensar, no vórtice das emoções do nosso começar. E dali nascia a terra, vala aberta para o amor, a vida, a dor, para o sangue da guerra que nos feria. Não sei como descíamos, mas as árvores eram a massa verde, depois, afinaram o recorte, cresceram, dividiram-se e definiam a clareira. Nela a fogueira apagada e o velho chefe deitado de borco e de boca escancarada. Sem alma já e gelado qualquer corpo, ainda que de um chefe, apodrece.