Saco de Carne
O livramento que diz-se ter fora do empoeirado prisma quadrangular de madeira é uma pseudoliberdade soprada pelos novos ventos. Só você tem a chave para abrir, querido. Mas será? Sim, só eu as tenho. Chaves estas que abrem o outro lado de uma cela bipartida. Atravessar para o outro lado é uma escolha, mas conviver com as novas margens é tão opcional quanto a Lei da Conservação da Energia. Vou lhes contar sobre minhas próprias margens.
Assumi que eu não podia viver em duas prisões, tanto quanto duas partículas não poderiam ocupar o mesmo lugar no espaço. A bem da verdade, eu nem sabia que a segunda existiria. Atravessar para o outro lado me abriu os olhos para uma nova esfera dentro da qual eu moraria. Escancarar as portas da verdade para aqueles que me deram vida foi o “x” que eu precisava para encontrar o “f(x)” que descrevia o gráfico dessa esfera. Eu criei esta função infeliz e não sei se dela me arrependo. Tivera eu uma opção?
Ruir as expectativas que lhes são impostas é um pesadelo, sobretudo vindo daqueles que se dizem certos da semente da sua felicidade. Porém, um dia, acontece. Afinal, a flor floresce uma vez, depois morre sozinha, e dela, ninguém mais se lembra. É turbulento, como o fluxo de cargas negativas através de uma seção transversal de alta resistência, onde o próprio caminho dificulta o caminhar, mas tudo flui. O problema surge mesmo quando se dá conta de que uma porta se abriu, algo fluiu, mas outra ainda permanece fechada. Uma dependência linear foi desfeita e outra exponencial foi criada.
A liberdade de mostrar a essência se plantou, mas em consequência, uma dependência sentimental nasceu. Assim como um capacitor adquirindo carga em função do tempo aumenta sua energia potencial que, mais tarde, se auto induz à meta do equilíbrio por meio da descarga, no período de ocultação da essência, acumularam-se lacunas que precisavam posteriormente ser preenchidas. Seria a formação de lacunas, entretanto, inteiramente dependente do tempo? Estariam outros fatores implícitos ligados a ela? Desse conhecimento eu ainda não disponho.
Só agora me dei conta de que tenho vivido em função das lacunas de f(x) por achar-me incompleto e incapaz de preenchê-las. Se num retículo cristalino de um metal podem existir regiões auto intersticiais, por que não poderia eu auto preencher-me? Uma questão a se discutir, mas os frutos de tamanho conflito interno são pura imploração humilhante por possuir um imperfeito saco de carne ambulante para chamar de meu. Se nasço e morro só, devo contentar-me com meu próprio saco de carne. Já não sei o que me falta para cessar a dependência g(f(x)) e ser apenas um x qualquer que não cria laços, funções ou dependências. Quero ser a variável independente x da minha própria vivência.