Máquina do tempo
“ Jornalista perdido”
O automóvel seguia lentamente pela avenida, atravessando a grande e barulhenta cidade. Sentado no banco de trás, eu o ouvia:
Disse que tinha “60 anos de existência” e que no sábado sentará a frente do computador para fazer uma pesquisa. Começou a relembrar da juventude, época em que cursou a faculdade de comunicação: opção jornalismo. Naquele tempo - mostrando certo entusiasmo na voz - ele contou que, com muita força de vontade, estudava e lia muitos livros, e se via como escritor. “Visão errônea da profissão”, afirmou. Hoje, fazendo um curso de atualização, descobriu a verdadeira função de um jornalista, que consiste, antes de tudo, em pesquisa! E “muita...”
Ele precisava escrever uma matéria sobre qualquer assunto, aplicando o que estava recordando em aula, para o professor do curso. Disse que clicando no Google com a intenção de descobrir uma pauta,, surgiam dados sobre econômia, serviços, saúde e entretenimento. E cada possível matéria encontrada já estava escrita por outro jornalista. Senti um tom de tristeza na sua voz rouca. Dirigia com muita calma. “Quantidades, localizações, atualidades, tendências: tudo num simples toque!”, exclamou. Que maravilha. Diferente de sua época quando a escassez de notícias era sem precedentes. Explicou que para se conseguir entrevistar uma fonte, levava-se um gravador enorme ou ia-se munido de papel e conhecimentos de taquigrafia. Outra forma de consulta era a velha enciclopédia Barsa. Hoje com o pequeno aparelho de celular se faz tudo: áudio, vídeo, texto e ainda a edição. E agora ele se perguntava como intensificar de maneira rápida sua atualização. Sentia-se um peixe fora d’água. Mas afirmou com todas as letras “que não desistiria”.
Pensou em várias matérias. Escreveria sobre automóveis que não precisam de motoristas; Sobre o metrô sem maquinista; Aviões não tripulados (drones), os shoppings centers e a Netflix (cinema no computador). Coisas atuais. Mas tudo já estava escrito no simples, e ao mesmo tempo complexo, mundo da internet. Parecia não haver espaço para (se cobrir, por) um novo jornalista.
Precisava de um caminho, e múltiplas possibilidades apareciam na tela do computador, mas não conseguia desenvolvê -las. Tudo parecia noticiado por outros profissionais. Pensou por vários minutos, e a página continuava em branco. “Será que pegar dados na internet é plágio?”, indagou. Acho que não. Se for público, é para o uso comum. De súbito aumentou o volume da voz e disse que tomara uma decisão: sua matéria seria sobre um filme que tinha assistido. Assim faria o trabalho solicitado sem correr o risco plagiar ninguém. Num tom mais forte desabafou: “Só saberei se vou conseguir ser jornalista tentando. Tentarei! Mas que me sinto novamente com energia, me sinto. Cada ser humano é diferente, então por mais engessado que eu esteja na profissão, eu colocarei meu toque pessoal”.
Ele parou o carro e queria continuar falando, mas havia chegado o meu destino. Paguei a corrida e apertei sua mão com um “não desista, e que Deus lhe acompanhe amigo”...