O abandono
Depois da cirurgia delicada eu tinha consciência de que os problemas não acabavam ali, muitos problemas e preocupações viriam, sabia que ali acabava apenas a primeira etapa do problema.
No apartamento duplo do hospital conheci Maria, uma mulher de classe média, como eu, aparentando 40 anos e com ela convivi os três dias de internação.
Maria tinha se submetido a uma cirurgia na coluna vertebral,
hérnia de disco, me confidenciou, a principio queixava-se de
muita dor e chamava a atenção das enfermeiras a todo o momento.
Durante aquela primeira noite, fiquei agitada, não conseguia dormir, tive um pouco de febre. Então pude observar a movimentação noturna do hospital, sirenes, pessoas com passos apressados, conversas sussurradas, e sobretudo, as queixas de Maria, que, a todo instante chamava a enfermeira de plantão para pedir-lhe algum medicamento, queixando-se sempre de muita dor.
A enfermeira entrava e ficavam conversando. Notei que em alguns minutos e ela se acalmava e falava que já estava sem dor.
A enfermeira se afastava e Maria acabava dormindo.
Na manhã do dia seguinte notei que Maria usava seu telefone
celular constantemente. Falava com várias pessoas, e não me lembro
de ouvi-la falar, uma única vez, que estava bem. Ela queixava-se de
dor, falava que não conseguia caminhar e quem a ouvisse do outro
lado da linha, com certeza, imaginava que ela estava muito mal.
Bom, do meu leito a poucos metros, eu não via nada daquilo
que ela relatava, Maria tinha um aspecto saudável, e, eu não conseguia ver nela tantos problemas. Quando entrava um médico ou alguma enfermeira ela repetia as mesmas queixas.
Começou o horário de visita e minha família veio inteira,meu marido meus filhos e ainda alguns amigos. Meus irmãos que moravam
no interior ligaram para saber noticias e falaram que viriam, alguns no próximo dia e os demais esperariam para visitar-me em casa.
Maria não recebeu nenhuma visita naquele dia e nem mesmo
nos dois próximos dias em que dividi com ela o apartamento no
hospital. As queixas continuaram e mesmo com a fisioterapia diária
não admitia nenhuma melhora, nem para os médicos e enfermeiros e muito menos para as pessoas com quem falava o dia inteiro ao telefone.
Apesar de eu ter feito uma cirurgia delicada para livrar-me de
uma doença, que a maioria das pessoas, não admite ao menos falar sobre ela, muito menos admitir que sejam portadoras de um tumor cancerígeno, eu tinha absoluta certeza que ali a poucos metros eu tinha alguém muito mais doente que eu. Uma pessoa sem esperança, uma pessoa abandonada, uma pessoa sem amigos, uma pessoa sem família, uma pessoa com uma profunda depressão, e realmente, uma pessoa doente.
Não tive depois disso nenhuma notícia de Maria, mas tenho
comigo, e guardo comigo até hoje, a imagem daquela mulher que parecia saudável, mas que sofria de uma doença mais grave que a minha “o abandono”.