GUERRA NA OBRA
GUERRA NA OBRA
Em 1985 fui para o Mato Grosso, de volta. A Constran, empresa em que trabalhei vários anos, fora contratada para executar a Usina Hidrelétrica de Salto do Apiacás. Eu seria o gerente do contrato ou chefe da obra.
Na linha de limite norte do Mato Grosso há um bico que a partir desse forma-se a divisa entre Amazonas, à esquerda, e Pará, à direita. Esse bico é formado pelos rios Teles Pires à direita e Juruena à esquerda. O Rio Apiacás é um afluente do Teles Pires, também chamado Rio São Manuel. Na junção do Teles Pires com o Juruena nasce o Rio Tapajós, que divide Amazonas e Pará. O Salto do Apiacás fica dentro do bico, no Mato Grosso.
As barragens, por se tratarem de obras normalmente implantadas em locais isolados de cidades, requerem que se criem estruturas administrativas, técnica, operacional, social, e até religiosa, os mais independentes possíveis de apoio externo. O Gerente de Contrato assume, além da responsabilidade de executar a obra, posições de prefeito, juiz de paz, delegado, psicólogo, conselheiro, assistente social, etc., pois forma-se uma comunidade com pessoas de origens diversas, isoladas do mundo. Esse grupamento tem as necessidades normais de qualquer sociedade e haja imaginação para criar atividades que envolvam o pessoal e ajudem a amenizar o isolamento. No meio da floresta amazônica, com a responsabilidade de cuidar de mil pessoas entre funcionários e parentes que moravam na obra, eu criava campeonatos esportivos, grupos musicais, palestras (muitas eu proferi), cardápios atraentes, etc.
Montei um destacamento policial na obra, com colaboração do Comando da Polícia Militar do Mato Grosso em Alta Floresta, com alojamento para quatro elementos, um sargento e três soldados.
Sexta feira após o trabalho, eu e os demais engenheiros seguíamos para Alta Floresta, para passar o final de semana.
Aos sábados o time de futebol da obra e torcedores utilizava o ônibus da empresa e iam jogar futebol com os times de fazendas próximas. No Mato Grosso perto quer dizer até uns 100, 120 quilômetros, percorridos em três ou quatro horas em estradas de terra.
Determinado sábado à noite, eu os engenheiros da obra estávamos bebendo cerveja em um restaurante de Alta Floresta, tocando viola e curtindo a música “Amigo é para essas coisas”, de Aldir Blanc e Silvio Filho. De repente, chega a camionete cabine dupla da obra e estaciona em frente. Desce o motorista, de bermuda e sem camisa, com uma cara assustada. Esbaforido, vem até nossa mesa e conta o houve um confronto entre os peões e os policiais, ambas as partes se ameaçaram de revolver em punhos. Quando estava na eminência de começar um tiroteio, ele entrou na camionete, passou no alojamento dos guardas, os policias embarcaram rapidamente e ele saiu em disparada pelo canteiro de obras, pagou a estrada. Havia deixado os guardas no quartel e veio me comunicar a ocorrência. O pessoal, revoltado, havia incendiado a ponte de madeira da estrada da obra logo após a camionete passar.
Era uma noite nublada, sem estrelas, e ventava muito. Na região deve-se evitar viajar em dias de vento forte, pois as árvores que margeiam as estradas, por não terem raízes profundas, ficam sem apoio e muitas vezes caem na estrada. È muito perigoso e corre-se o risco de ter o veículo esmagado por árvores de 30, 40 metros de altura ou encontrar uma árvore caída na estrada, o que impede o trânsito. À noite, então, nem pensar em viajar.
Sou medroso, mas responsável. Decidi ir para obra, que ficava a 140 quilômetros de Alta Floresta, em estrada de terra em péssimas condições, percorrida normalmente em quatro horas. Montei na minha camionete, uma D-20 novinha, e me toquei para o Salto do Apiacás. Teria que conversar com os líderes do pessoal e acalmar a situação. No trajeto, parei várias vezes devido à ventania, que balançava o carro e árvores agitadas pelo vento forte. Eram umas 23 horas quando cheguei à ponte queimada. Mas não estava destruída. Atravessei com cuidado e mais seis quilômetros entrei no canteiro de obras. Todo o pessoal acordado, chamei os responsáveis pelo entrevero com os guardas, sentamos todos no refeitório e ouvi o relato do que havia acontecido. No retorno do jogo de futebol, começaram com uma brincadeira de dar tapas na nuca de quem estava sentados. Na hora de dar tapas, os guardas participaram. Mas quando um deles levou um tapa, a coisa esquentou. O cara puxou o revolver, bateu no peão, queria prender o funcionário. No desembarque do ônibus a coisa pegou. Apedrejaram os guardas, que se esconderam no alojamento e ameaçavam a atirar. Foi um pânico só. Com muita paciência convenci os revoltados a esquecer o ocorrido, prometendo que não recolocaria guardas no canteiro de obras. Tudo se acalmou, mandei reconstruírem a ponte no domingo. Voltei para Alta Floresta de madrugada. Nunca mais houve tumulto na obra.