Rumando para a Suécia
Caros G. e P.:
Omito os nomes por questão de segurança. Nunca se sabe o que alguns brasileiros vão fazer com a informação de que vocês estão de mudança para a Suécia.
Fico triste em saber que vocês estarão longe. Mesmo que não nos vejamos a todo o momento, sempre há a ilusão de estarmos perto quando estamos no mesmo país. Mas por outro lado, não vejo alternativa a não ser concordar que será melhor para vocês.
Senão ponderemos: vocês estudaram muito e conseguiram chegar a um patamar educacional que pouca gente consegue. Sei que fizeram isso sem passar por cima de ninguém, sem utilizar quaisquer meios escusos. Sou testemunha pessoal de que vocês foram estudantes brilhantes, responsáveis, inteligentes, esforçados e honestíssimos, já que tive o privilégio de tê-los em minha sala de aula como um par dos melhores estudantes que eu tive. Depois da conclusão dos doutoramentos, cumpriram os compromissos assumidos com o País e voltaram para pagar o tempo investido. Mas parece que o País não se importa muito com responsabilidade, honestidade, cumprimento de compromissos, cabeças inteligentes. Parece que o padrão atual é a desfaçatez, a esperteza criminosa, a inocência fingida, a desídia, a ignorância premiada (talvez eu devesse ter lhes ensinado isso tudo...) a ponto de escondermos nossa formação para não sermos considerados da “zelite”.
Fico pensando que, na Suécia, vocês poderão criar um filho e não ficar morrendo de preocupação com a hora que ele volta, com a escola que freqüentará, com a possibilidade de atropelamento no trânsito, com um mau atendimento médico, com seqüestro-relâmpago. Certo que sentirão falta dos amigos e da família, mas com um salário digno, poderão visitá-los com a freqüência desejada (cuidando de estar bem informados sobre os vôos nacionais).
Um dia tentaram me convencer que qualquer pessoa poderia ser reitor de uma universidade, mesmo que não tivesse formação para isso – este um argumento em favor da democracia, da oportunidade de acesso para todos – uma vez que a formação acadêmica não era garantia de caráter. Por um tempo pensei que isso deveria ser verdade, já que eu era cercado de exemplos de pessoas que, apesar do estudo, tinham caráter duvidoso. Hoje, podemos ver que a posição contrária também não é verdadeira, ou seja, a falta de educação formal também não garante o caráter de ninguém... Mas garante o descaso com a Educação.
Sei que vocês tentaram pagar a dívida social com o País, mas descobriram que não tinham relações suficientes para passar nos concursos, públicos ou privados, eivados de tendência para os amigos e ignorando os méritos.
Assim o Brasil vai perdendo suas melhores cabeças, porque pensa não precisar delas. Pode-se chegar a altos cargos na hierarquia social sem estudar, bastando ter as relações certas e a suficiente cara-de-pau para mentir, desmentir, disfarçar, fingir que não viu e que não sabe. Conhecimento formal, para quê?
Minha alegria, além de antever que vocês terão uma vida melhor, é saber que terei um alojamento quando for conhecer a Suécia (só não me levem para o show do Abba). Isso sem falar nos discos e filmes que vocês vão me mandar...
Boa viagem. Já estou saudoso.
Dindo Taba.