Meu encontro com Chico Xavier

Corria o verão de 1974 em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Eram dias diferentes, andar na rua sem medo, a disponibilidade das pessoas, a amizade dos vizinhos. Estudante de direito na capital costumava visitar mensalmente minha pequena cidade para rever familiares e amigos. Reunidos costumávamos ir almoçar no restaurante do posto de gasolina que ficava junto a estrada que ligava a cidade de São Paulo ao sul do estado de Minas Gerais. Eram momentos descontraídos. Falávamos sobre coisas banais, riamos das tiradas dos amigos e calmamente saboreávamos os quitutes servidos, sem o incômodo da concorrência de celulares e smartphones. Eu estava especialmente feliz em ver nos olhos da minha mãe um brilho há muito esquecido em uma época onde os preconceitos davam contornos restritos à vida da mulher sozinha. Estávamos em animada conversa, quando observei a entrada de alguns viajantes que silenciosamente em fila se dirigiam a uma mesa estrategicamente situada no fundo do restaurante. Devido a distância entre cidades era comum aos viajantes pararem em postos de gasolina para reabastecimento do veículo e um breve descanso. O restaurante do posto onde estávamos situava-se exatamente na metade da viagem entre São Paulo e as principais cidades do sul de Minas, no caso: Uberaba e Uberlândia. Embora fosse ainda o início da tarde, havia pouca luminosidade no local, mas pude vislumbrar entre os viajantes que entraram a figura incomum de Chico Xavier. Havia poucas mesas ocupadas com pessoas conversando sem nenhuma ação que demonstrasse terem percebido a presença do médium. Inicialmente pensei: será mesmo ele? Criado na tradição católica, pouco sabia sobre a doutrina espírita, que era confundida, pelo menos no espaço interiorano, com os rituais africanos trazidos durante o período colonial para o Brasil. Por outro lado, o fato de estar morando na capital proporcionava contatos com pessoas que falavam sem resquício de proibição o que pensavam sobre a doutrina de Kardec. Entre esses, havia uma amiga de nome Luzia, a querida Lu, que defendia ardorosamente os ensinamentos da doutrina, com destaque especial ao trabalho mediúnico realizado por Chico Xavier. Sob influência dessa amiga, eu tinha tomado conhecimento do pensamento do médium em um programa líder de audiência no país intitulado “Pinga fogo”. Era um programa de TV cuja essência era questionar com veemência (e alguma ironia) o conhecimento do entrevistado, isso mesmo: “apertava” pessoas notórias sobre seus posicionamentos visando polemizar os assuntos pelo viés cientifico em contraposição ao postulado religioso. Chamou minha atenção a figura serena do médium que pacientemente informava e explicava aos inquisidores os princípios da doutrina espírita. Pela primeira vez, uma empresa de comunicação com projeção nacional dava destaque ao pensamento kardecista por meio das palavras do médium. Não recordo se suas palavras foram bem entendidas, aceitas ou contestadas, mas ficou presente em minha mente a integridade de um homem que passava com convicção uma mensagem de pacificação, bondade e amor. Voltando ao restaurante. Olhei mais fixamente a figura que havia chamado minha atenção. Lembrei do programa da TV, da minha amiga da capital e num impulso, levantei-me, aproximei-me do grupo que silenciosamente almoçava e, mesmo sentindo a reação de alguns ao incomodo da minha presença, dirigi-me ao médium, perguntando se poderia falar com ele. Surpreso, mas demonstrando tranquilidade ele perguntou o que eu queria? Disse que tinha uma amiga que o admirava e que sempre falava em conhecê-lo. Em voz serena, perguntou: qual o nome dela? Respondi: Luzia. Chico pegou calmamente seu guardanapo, pediu uma caneta e delicadamente escreveu uma mensagem endereçada a ela. Sufocando minha vontade de tocá-lo, agradeci e ia me afastando, quando ele estendeu a mão e humildemente agradeceu minha intrusão. Pensativo, voltei para a mesa onde todos aguardavam meu retorno com disfarçada curiosidade sem ainda ter dado conta da exata dimensão daquele momento. Coincidência, acaso ou providência? A verdade é que a partir desse encontro procurei conhecer melhor a doutrina Kardecista, descobri o valor da caridade e da humildade e até hoje guardo no coração algo que não pode ser descrito apenas com palavras, mas que remetem à profundidade da luz e do amor que recebi, além das grossas lentes que silenciosamente guardavam os olhos de Chico Xavier.