O jipinho.
Naquele Natal eu estava completando oito anos, e acabávamos de chegar ao Brasil, sem nada, seria um recomeço muito difícil para a nossa família, com todas as dificuldades que podem imaginar.
Os nossos pais se esforçaram para nos dar um brinquedo baratinho, e colocar uma refeição um pouco melhor na mesa, com extrema pobreza, mas acredito que o significado de "vida plena" seja exatamente isso, onde a verdadeira riqueza se permite morar.
A casa onde vivíamos ainda era daquelas com quintal grande e cerca de pau, até para divisar com a dos vizinhos, e justamente naquele dia o garoto do vizinho me chamara para brincar, e ele queria compartilhar do seu lindo brinquedo, um jipinho de lata verde, com pedais, muito comum na época. Era um sonho, e fui correndo, afinal poderia andar naquela maravilha , até deixei a minha bola de plástico esperando na grama.
Passado algum tempo a minha mãe me chama com rigor, e já a conhecendo , não tardei em ir, então ela me pegou pelo braço chacoalhando meu corpo inteiro com força, com seus olhos meio em lágrimas e raiva, e me disse: " Você não consegue perceber, não consegue...ele só quer que você o empurre, não te deixará dar sequer uma volta no jipinho, você quer continuar sendo um idiota para essa gente ? ".
Ela ficara observando todo o tempo, e percebera o que eu na minha inocência não notara, esperando eternamente por uma única volta no brinquedo.
Aquela lição tão precoce me calou fundo na alma, mas foi um grande passo para mim, a minha mãe usava desse tipo de psicologia, era uma mulher inteligente , amorosa , mas dura, como a guerra a havia ensinado.
Durante toda a nossa jornada de vida temos muitos jipinhos para empurrar, por diversos motivos, entre o sustento e a razão, mas todos de forma consciente, são muitas as pessoas que continuam nos convidando para dar uma volta , e só querem que empurremos. Nunca mais fiz isso por ingenuidade, nunca mais fui enganado a tal ponto, muito embora tenha me visto obrigado a empurrar algumas vezes, mas com a devida paga.