COLAR DE UMA PÉROLA SÓ

Eu a ouvi chamá-lo de amor, com a naturalidade de quem o faz toda manhã. Uma facada no peito não seria mais certeira que a dor que eu estava sentindo. Não foram cinco horas, foram cinco anos e agora eu a assistia, atônito, entregar aquela palavra, aquele sentimento, bordado e flor a outro. O que há com o amor? O que há com o mundo, afinal? Abro o jornal para esconder a minha cara enciumada e só vejo notícias ruins, que desgraça! Dois mil e dezesseis, o ano da crise, das perdas e da roubalheira escancarada. E daí que o novo ditador da Coréia do Norte está fazendo testes com armas nucleares? E daí que um asteróide se chocará com a Terra provocando um enorme tsunami? Ela se cansou de mim. Eu fiquei em dois mil e dezesseis e o ano já é outro, e o amante já é outro também. Eu não sei dizer ao certo como ou porquê, imagino que talvez tenha sido um pouco de tudo e um muito de nada. Aquele amor clandestino, transviado, desvirtuado, despido e cru que nos unia e incendiava não passa de um colar de uma pérola só, manchada, herdado pela tia da avó. E de tão gasto pelo tempo, ela escondeu na gaveta cheia de naftalina que é para não lembrar de usar. Está obsoleto o amor. Fora de moda e a ninguém importa.

Rachel Wolf
Enviado por Rachel Wolf em 31/01/2017
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