BALADEIRAS

Contou-me o amigo Paulo Teixeira – Paulo do Zacarias – que quando a cidade de Itapipoca não era dez por cento do que é hoje a brincadeira sua e dos outros meninos que faziam seu círculo de amizade era caçar de baladeira nas áreas de floresta que beiravam a cidade, mais precisamente nas margens do Riacho das Almas, onde hoje se encontram os bairros da Estação e do Tamarindo.

Segundo ele, muitas aves eram atraídas pela presença de água, e pela vegetação, como é o caso do confeiteiro, árvore típica da caatinga e que produz pequenos frutos apreciadíssimos inclusive pelas pessoas que conhecem. Nambus, sabiás, galinhas d’água, jaçanãs eram as mais comuns; além de bem-te-vis, rolinhas, sanhaços, galos-de-campina e papa-lagartas.

Além disso, como era área onde costumavam fabricar tijolos – as chamadas olarias, todos aqueles buracos enormes abertos com a retirada da argila para a telha e o tijolo, enchiam de água da chuva ou pelas enxurradas do Riacho das Almas. Conseqüentemente, eram locais onde abundavam peixes. Por outro lado, restos de tijolos empilhados, bem como, as estruturas de antigas caieiras, eram moradas perfeitas para preás e outros roedores também apreciados para caça.

Vez ou outra se juntavam em torno de dez meninos e saiam a aventurarem-se armados de baladeiras e sacos tiracolos cheios de pedras cuidadosamente escolhidas para a caça.

- Dos pássaros, o mais sabido para se esconder nas plantas é a jaçanã azul. Você atira a pedra, ela se assusta, mas não voa. Fica escondida. O detalhe é que para ela, se a cabeça estiver escondida, pronto. O resto do corpo não importa. Tinha um amigo nosso chamado Chico Ludovico, que às vezes levava uma velha espingarda socadeira. Ele chegou a abater dez numa só árvore, entre jaçanãs e galinhas d’água.

Naquela época vem morar em Itapipoca um velho e antigo policial chamado Capitão José Antônio.

- Eu tinha de dez a doze anos e certo dia estava em determinado lugar quando passou aquele velho feio andando todo torto, arrastando uma perna. Quando vi saí atrás imitando o seu andado: todo torto. Alguém me chama e pergunta:

- Menino, tu tá é arremedando o homem? Tu sabe quem é esse homem?

- Eu sei lá! Sei que ele anda todo assim: e saí imitando-o.

- Menino, esse daí é o capitão Zé Antônio, ele é zangado!

Para azar dos nossos meninos caçadores o tal capitão Zé Antonio foi morar numa casa isolada que havia no início da mata, justamente onde teriam que passar para ir à caçada de baladeiras.

- Vão embora seus filhos da mãe! Eu não quero ninguém andando por essas bandas. Magote de coisa ruim!

O capitão Zé Antônio não era mesmo flor que se cheirasse. Segundo o nosso informante mais de uma vez chegou a sacar o revólver para amedrontar os meninos.

Toda aquela situação criou revolta nos meninos, que já não mais podiam passar para ir as suas caçadas. Não conheciam outra forma de ter acesso ao local se não fosse passando pela velha casa do capitão Zé Antônio.

Passaram a estudar um meio de se livrar das ameaças do velho.

Certa vez juntaram-se os dez, pegaram as baladeiras, encheram os tiracolos de pedras e foram à luta.

Deram uma volta grande lá pelo Alto do Cruzeiro e vieram de lá escondidos no meio do matagal. Chegando à mata fechada deram um jeito de entrar por uma passagem bem estreita. E saíram se arrastando pelo chão sob os cipós, garranchos e espinhos de unha de gato. O destino era atingir uma clareira que sabiam existir bem no meio da mata.

- Orientei os meninos e dali mesmo atiramos com as baladeiras. Só se ouviu o pipocado de pedra em cima da casa.

Com esta o velho capitão Zé Antônio foi embora.

_ Nunca mais tivemos notícia dele.