LIRIOS AO REDOR DO MURO
Texto reeditado
Floresceram lírios em meu jardim.
Imaculadamente brancos, delicados ,perfumadíssimos!
Da minha janela, eu os vislumbro nesta noite de aragem fresca e céu muito limpo.
Adormecem os demais e, sòzinho , mergulho em divagações.
Obediente ao toque do vento a cortina desliza a maciez do tecido sobre minha cabeça pensativa.
A noite , incensada de lírios, evoca o cheiro das brilhantinas com que tio Elias besuntava-me os caracóis dos cabelos.
[Era eu, então, um menino cheio de sonhos]
Hoje, persistentes , reinam ainda alguns (quase melancólicos) caracóis. A tintura do tempo deu-lhes uma coloração alumínio.
[Grisalho,para os íntimos]
E, claro, reinam também alguns sonhos. Poucos, mas bem acalentados.
Entrego-me à leveza desta quase madrugada permitindo-me deixar invadir pelos ecos de minha rua.
Alguém assobia à distância.
Uma toada dolente que vai fatiando o breu dos becos com sentimento profundo.
[Sugere-me uma certa desilusão amorosa]
Intensa no início, a melodia vai-se aos poucos ganhando distância e a sonoridade embrenha-se esvaída por caminhos que desconheço.
Um cano de escape dilacera a paz das "horas mortas" e um carro em alta velocidade passa por mim como que fugindo de sua solidão de lata.
Silencioso casal percorre a calçada de pedras e recolhido em pensamentos eu os acompanho no olhar até que as luminárias os transformem em nada além de vultos.
De repente dou-me conta de uma certa "solidão escolhida" que experimento.Aliso nos cabelos os lírios da lembrança que preservam-me o que ainda resta de minha porção menino.
Um grilo estraçalha as sobras de quietude.Parece-me tão proximo à janela...
Tão carente,tão familiar e tão só sob touceiras de alecrim.
Junto-me a ele, na cumplicidade de divagações supostamente iguais.
[Fecho a cortina e atiro-me na cama]
Em meu quarto sou parte de silêncio emparedado. Lá fora, o solitário senhor das touceiras rasga-se em escandaloso lamento.
Somos dois seres "grilados" mergulhados numa noite morna.
Anda pelo ar , inquietante odor de lírios a instigar-me lembranças daquele que um dia fui.
Joel Gomes Teixeira
Comentário no texto anterior:
13/10/2016 01:20 - Chico Chicão
Meu caro Joel. São textos como este que enriquecem o Recanto. Que pena que leitores prefiram o amiúde...Que pena... Lendo este belo texto,lembrei-me de Alvaro de Campos(Fernando Pessoa) * POBRE VELHA CASA DE MINHA INFÂNCIA PERDIDA! QUEM TE DIRIA QUE EU ME DESACOLHESSE TANTO! QUE É DO TEU MENINO? QUE É DE QUEM DORMIA SOSSEGADO SOB O TEU TETO PROVINCIANO? ......* E nunca me esqueci daquele texto da Viúva do Armazém. Um verdadeiro script para um filme. Que bom ter escritores assim no Recanto.Obrigado pelas leituras.Fique na Paz!
Texto reeditado
Floresceram lírios em meu jardim.
Imaculadamente brancos, delicados ,perfumadíssimos!
Da minha janela, eu os vislumbro nesta noite de aragem fresca e céu muito limpo.
Adormecem os demais e, sòzinho , mergulho em divagações.
Obediente ao toque do vento a cortina desliza a maciez do tecido sobre minha cabeça pensativa.
A noite , incensada de lírios, evoca o cheiro das brilhantinas com que tio Elias besuntava-me os caracóis dos cabelos.
[Era eu, então, um menino cheio de sonhos]
Hoje, persistentes , reinam ainda alguns (quase melancólicos) caracóis. A tintura do tempo deu-lhes uma coloração alumínio.
[Grisalho,para os íntimos]
E, claro, reinam também alguns sonhos. Poucos, mas bem acalentados.
Entrego-me à leveza desta quase madrugada permitindo-me deixar invadir pelos ecos de minha rua.
Alguém assobia à distância.
Uma toada dolente que vai fatiando o breu dos becos com sentimento profundo.
[Sugere-me uma certa desilusão amorosa]
Intensa no início, a melodia vai-se aos poucos ganhando distância e a sonoridade embrenha-se esvaída por caminhos que desconheço.
Um cano de escape dilacera a paz das "horas mortas" e um carro em alta velocidade passa por mim como que fugindo de sua solidão de lata.
Silencioso casal percorre a calçada de pedras e recolhido em pensamentos eu os acompanho no olhar até que as luminárias os transformem em nada além de vultos.
De repente dou-me conta de uma certa "solidão escolhida" que experimento.Aliso nos cabelos os lírios da lembrança que preservam-me o que ainda resta de minha porção menino.
Um grilo estraçalha as sobras de quietude.Parece-me tão proximo à janela...
Tão carente,tão familiar e tão só sob touceiras de alecrim.
Junto-me a ele, na cumplicidade de divagações supostamente iguais.
[Fecho a cortina e atiro-me na cama]
Em meu quarto sou parte de silêncio emparedado. Lá fora, o solitário senhor das touceiras rasga-se em escandaloso lamento.
Somos dois seres "grilados" mergulhados numa noite morna.
Anda pelo ar , inquietante odor de lírios a instigar-me lembranças daquele que um dia fui.
Joel Gomes Teixeira
Comentário no texto anterior:
13/10/2016 01:20 - Chico Chicão
Meu caro Joel. São textos como este que enriquecem o Recanto. Que pena que leitores prefiram o amiúde...Que pena... Lendo este belo texto,lembrei-me de Alvaro de Campos(Fernando Pessoa) * POBRE VELHA CASA DE MINHA INFÂNCIA PERDIDA! QUEM TE DIRIA QUE EU ME DESACOLHESSE TANTO! QUE É DO TEU MENINO? QUE É DE QUEM DORMIA SOSSEGADO SOB O TEU TETO PROVINCIANO? ......* E nunca me esqueci daquele texto da Viúva do Armazém. Um verdadeiro script para um filme. Que bom ter escritores assim no Recanto.Obrigado pelas leituras.Fique na Paz!