Expectativa frustrada

Rodo o lápis entre os dedos na espera de que algo me ocorra, para que então eu volte a usá-lo na sua própria função de lápis, que é escrever. Porque antes de sentar-me aqui com o caderno no colo e o lápis na mão, eu tinha o que escrever, não sabia o que ao certo, porém, me via sob êxtase, com a certeza de que escreveria sobre qualquer coisa. Mas, agora encontro nós três o lápis, o caderno e eu, fora das nossas devidas funções, o caderno que deveria estar sendo preenchido, me parece uma tela pintada onde pouco compreendo o que observo, daquelas telas que só o pintor é capaz de relatar o que tentou expressar, continuo encarando-o, apenas analisando as linhas em branco, já não é mais caderno. O lápis que parei de rodar, passo lentamente sobre o arame do caderno, tirando uma espécie de melodia estranha, mas falho em tentar dar um ritmo certo. Não sei bem se estou usando esses materiais ou eles que estão me usando para saírem da rotina habitual, de serem apenas um lápis e um caderno a minha disposição, e atuarem na função que foram destinados. Dou-lhes a liberdade de serem o que quiserem enquanto não encontro o que queria escrever. O caderno se concretiza como um travesseiro agora, onde apoio a minha cabeça e descanso a minha frustração, e o objeto que antes era um lápis me serve agora como uma espécie de agulha, que aperto firme a sua ponta fina contra um arranhão qualquer na minha perna, e nem sei por onde andará a borracha que sempre trago comigo, esta deve estar por aí, também perdida. Não sei por quanto tempo permaneceremos nessa resistência, mas permito que continue, me vem a ideia de que as coisas não precisam ser elas mesmas o tempo todo para fazerem sentido, assim o caderno pode ser travesseiro e tela, o lápis baqueta e agulha. Ou talvez esses materiais se desvirtuaram depois de tanto tempo por estarem cansados de levarem a vida costumeira, de serem usados por mim com o mesmo propósito e finalidade de me servir, e se cansaram, entendo, porque a vida que levamos nos entedia às vezes. E, quando me distraio o caderno já está na minha cabeça sendo segurado por minha mão direita, como uma espécie de chapéu, e o lápis repousa no meu colo, descansando. Continuaremos assim, nós três, até que eu coloque ordem nessa bagunça, que me deixo ser levada... E para que enfim meu pensamento retorne a mim e eu o escreva, sei que mais tarde ele voltará, e o escreverei, o que de início vim fazer, caso adie por estar cansado como o lápis, não faz mal, todo mundo merece um descanso, afinal, hoje é domingo.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 28/01/2017
Reeditado em 08/07/2018
Código do texto: T5895858
Classificação de conteúdo: seguro