Nostalgia
Era uma manhã preguiçosa de sol, daquelas que prometem um dia bem quente e sem nuvens, estava bem cedo e eu não sabia direito o que estava fazendo fora da minha cama. Tá, eu sabia. Todos os dias antes da escola, ia á padaria no centro da cidade(que era muito próximo da minha casa) comprar pães para o café da manhã.
Gostava de ir pelo caminho mais longo, mas naquele dia resolvi cortar caminho por uma antiga estação de trem que estava desativada há muitos anos. Lá, sentado em um dos bancos( os quais, talvez em outros tempos, serviram de descanso para os antigos passageiros), havia um senhor de mais ou menos noventa anos parecendo nervoso, olhando ansioso para seu relógio de pulso.
Estranhei e ia passar direto quando uma voz me chamou.
"Ei moça! Ele já tá vindo?"
"Ele quem? De quem o senhor está falando?"
"Estou esperando há 40 minutos, e nada! Ele tem de estar vindo, Matilde e eu vamos nos atrasar, já tô vendo..."
Ainda sem entender continuei andando, mas ele me chamou de volta e me pediu para esperar. Antes que eu pudesse protestar que me atrasaria para o colégio, ele recomeçou a reclamar.
Neste momento entrou uma jovem mulher, vestida do que parecia ser um uniforme de enfermeira, e o interrompeu: "Senhor Mário! Aí está você. Como sempre."
Já ia ajudar a levantá-lo quando me viu.
"Ah, oi, bom dia. Olha só, não podemos deixá-lo sozinho um minuto nesse horário e ele já foge para cá. Velhinho esperto, viu?"
"E porque ele foge para cá?" -Talvez porquê a moça tivesse aquela expressão de quem quer nos contar tudo o que aprendera na vida, quis saber.
"Ele trabalhava na em Juquiá e pegava o trem todos os dias nesse horário. Bem, você sabe, isso aconteceu há 10 anos, antes da linha ser desativada em meados de 1997" - Parou para dar um olhada no relógio- "É hora do remédio, preciso levá-lo querida, foi um prazer te conhecer."
"O prazer foi todo meu" -Quase fui embora, mas me lembrei-"Espera, quem é Matilde?"
"Ah, Matilde era sua esposa. Se conheceram nesse trem, e desde que faleceu há alguns anos, o coitado vem aqui todos os dias. Como você sabe dela?"
"Antes de você chegar ele me disse que os dois chegariam atrasados se o trem não passasse logo."
Ela assentiu com uma expressão pesarosa no rosto e se virou para acordar o velhinho que cochilava no banco.
Segui meu caminho sem deixar de pensar no senhor Mário e em seu trem que nunca chegaria.