O livro que saciou a fome
Assis Silva
No meu oficio como escritor dizer que um livro mata a fome, parece até ser razoável, pois não é falácia, é minha realidade. Porém a frase soa canhestramente fora de contexto. E foi de fato o que aconteceu. E contarei a história dessa frase: o livro que saciou a fome.
Foi a obra os miseráveis do escritor francês Victor Hugo. Um dos meus livros favoritos. Estava sentado na praça da Alfândega em Porto Alegre, envolvido na história de Jean Valjean, personagem da história. Quando percebo um vulto, porém dentro de poucos segundos toma forma de uma criança. Parei a leitura emocionado, era justamente na hora em que a menina Cosette fora obrigada a buscar água na noite escura para os Thénardier. Quando tiro os olhos do livro, deparo-me com uma criança de mãos estendidas para mim, olhando-me nos olhos. Aquele olhar profundo, triste, faminto.
Meti a mão no bolso, não tinha nada. Apenas o livro e um cartão de estudante que me permitiria pegar o ônibus e voltar para casa. Na praça havia uma banca que vendia, trocava e comprava livros usados. Pedi que a criança esperasse que já retornava. Fui a banca e negociei o livro, estava novo, havia ganhado de presente, porém a história já perdi a conta de quantas vezes já havia lido.
Sempre me indaguei sobre o valor de um livro, acho que eles não deveriam ter preços. Porém aquele livro tinha um preço. A fome daquela criança que muito se assemelhava às dos personagens do livro. Fiz um bom negócio, o suficiente para custear dois pratos de comida. Convidei-a para almoçarmos juntos, ela teve receio, queria dinheiro. Mas me recusei a dar, seria pouco somente dar o dinheiro sem antes conversar. Saber sua história, o porquê daqueles olhos tristes.
Aceitou, estava com tanta fome que não ia se dar ao luxo de recursar. Seu nome era João, mas gostava mesmo era de ser chamado de zé. Havia fugido de um abrigo, tinha “tudo” no abrigo, mas queria a liberdade, seus pais estavam presos, haviam tentado furtar um supermercado.
E foi assim que o livro saciou a fome, os miseráveis, para ser mais exato. Troquei o livro físico por uma história real. Não sei o que aconteceu depois daquele encontro com o zé, tentei convencê-lo a voltar para o abrigo, pois parece ser mais seguro que a rua. Não me falou exatamente o porquê fugiu do abrigo, apenas que queria ser livre. Não olhou muitos nos meus olhos, demonstrava medo, receio que eu lê-se a sua alma. Espero que o Zé esteja bem, e que tenha aprendido assim como eu aprendi naquele dia, que o livro sacia duas fomes: a da alma e a do corpo!